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O voto electrónico é frequentemente proposto como a solução mágica para as eleições nos círculos da emigração. A ideia, se funcionasse, é que o eleitor no estrangeiro simplesmente votaria por telemóvel, por entre likes no Facebook e vídeos de gatinhos do Youtube. A ideia até não é má, se funcionasse. Mas como é certo e sabido, o diabo está nos detalhes.
Votar através de uma máquina, seja um computador ou um telemóvel, é fundamentalmente o mesmo que se votar por intermédio do seu vizinho. Você diz-lhe em que partido quer votar, e fica descansado em casa a ver TV enquanto o seu vizinho se desloca à secção de voto e faz a cruzinha onde você lhe pediu.Votar através de uma máquina, seja um computador ou um telemóvel, é fundamentalmente o mesmo que se votar por intermédio do seu vizinho. Você diz-lhe em que partido quer votar, e fica descansado em casa a ver TV enquanto o seu vizinho se desloca à secção de voto e faz a cruzinha onde você lhe pediu. Confia que o seu vizinho iria realmente votar ? E que se o fizesse, seria na lista que você lhe indicou ?
Existem diferentes formas de voto eletrônico, mas votar através de uma máquina significa confiar em todo um processo que você não vê, não conhece, e arrisco mesmo dizer, nem percebe como funciona. E não tente puxar do exemplo do uso dos bancos online como contra-argumento. É verdade que é trivial hoje em dia fazer todas as operações bancárias pela net. É tão trivial que se me pedissem para dizer onde fica a minha agência bancária, eu teria que ir ver ao Google pois nunca lá fui. Se eu confio na net para fazer pagamentos e gerir as minhas contas bancárias, qual é o problema de votar on-line ?
O problema é que o voto é secreto. Não é possível saber em quem você votou, nem você é capaz de provar que votou no partido X, Y ou Z. Existem muito boas razões para isto, e a não ser que se queira voltar aos velhos tempos do voto por cabresto durante a monarquia constitucional, temos todo o interesse para que o voto continue a ser secreto. Mas já no que diz respeito aos bancos, embora o registo das nossas transações seja privado, não é secreto. O banco conhece todo o nosso histórico e é do nosso interesse sermos capazes de provar que fizemos em tal data pagamentos a fulano, sicrano e beltrano. E aqui reside o problema fulcral do voto electrónico. Como construir um sistema em que o voto seja secreto, mas ao mesmo tempo dê garantias ao eleitor que o voto foi feito corretamente ?
A solução atual consiste em fazer a máquina de votação imprimir uma cópia do voto que depois é depositada na urna tradicional. Caso existam reclamações ou dúvidas, os papelinhos na urna servem de tira-teimas. Mas esta solução dificilmente funcionaria nos círculos do esntrageiro porque os eleitores teriam que, de alguma forma, imprimir o voto e enviá-lo para as mesas de contagem. Voltamos à estaca de partida, com os problemas que conhecemos de enviar votos por correio e incluir as malfadadas fotocópias do cartão de cidadão.
Os mais esperançosos podem argumentar com o progresso da tecnologia, e que não deve faltar muito até termos um sistema de voto eletrônico completamente seguro, eficaz e fácil de implementar. A dificuldade aqui é uma coisa chamada realidade. Por exemplo, eu renovo o meu cartão de cidadão on-line em cinco minutos e sem qualquer stress. Já para quem deixou caducar o seu cartão, vai ser um cabo das tormentas para conseguir marcação no consulado e fazer a renovação presencialmente. E o que dizer do ataque informático que foi feito recentemente à Vodafone em Portugal, uma empresa que dificilmente se pode acusar de ser uma ignorante em tecnologia ? Todos estes problemas dos sistemas informáticos não são defeitos, são feitios.
Mas mesmo para quem ainda não se deixou convencer, vamos assumir que sim, que é possível ter um sistema de voto electrónico que funcione. Não é claro que a abstenção diminuísse significativamente se todos os emigrantes pudessem já amanhã utilizar o voto electrónico. Se a abstenção dos eleitores em Portugal já supera os 40%, que motivo temos para pensar que seria diferente com os portugueses no estrangeiro ? É certo que seria uma enorme melhoria em relação à situação atual se com o voto electrónico se conseguisse abstenções de "apenas" 40% nos círculos da diáspora. Mas isso mudaria o quê ? Continuaríamos sub-representados com apenas 4 deputados, o método de Hondt garante que os lugares vão para o PS e PSD, e continua a ser bastante caro fazer campanha nestes dois círculos. O voto electrónico, se funcionasse, seria o exemplo perfeito de o que muda são as moscas.
Concluindo, a proposta do voto eletrônico é o caso típico de uma solução para um problema que não existe. Sim, se funcionasse poderia reduzir a abstenção. Mas mesmo que funcionasse,não alterava em nada os problemas dos círculos da emigração: sub-representação, eleitorado disperso pelo mundo e método de Hondt que favorece desproporcionalmente o PS e o PSD. Estes são os problemas estructurais da representatividade da diáspora, que urge resolver. Mas como ?