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Acabei de fazer a levada que tenho aqui ao pé de casa. Tantos anos a viver em Câmara de Lobos e só agora é que indago e descubro estes caminhos. A vida talvez seja isso para mim: novas descobertas quando a curiosidade não me falha e o espírito mantém a aventura por mais pequena que possa parecer no dia a dia.
Tenho percorrido estes caminhos de luz e de sombra dentro de mim e na levada.
Aprendi na reta final dos meus 27 anos que a vida é mesmo assim. É um percurso. Há partes que me extasiam, em que os olhos e o coração não conseguem quase abarcar tanta beleza, tanto calor e o encanto pelo mundo bate, arde, irradia e quase parece que é demais. Que transborda por todos os poros do meu corpo. Depois há zonas da levada, e em mim, que é preciso precaução, que faz sombra e frio. Que é incerto. Que posso por o pé e cair no abismo. E pode acabar tudo. Ali. Naquele momento. Nesses instantes percebo a beleza e a fugacidade da vida. Sinto na pele a fragilidade humana. Faz-me entender o valor que é preciso dar à nossa natureza interior e exterior. Já tinha percebido, pensava eu. Mas nunca desta forma com tanta concretude. Os 27 representaram O Caminho para casa.
Sempre fui muito cética e na minha adolescência, talvez por ter andado alguns anos num colégio católico e ter feito a catequese até ao fim, declarei guerra a Deus. Não uma guerra bélica e armada. Mas uma guerra de questões, de dúvidas e de inquietações, que duram até hoje. Porque sempre me custou entender ou conceber o Deus da Igreja. Punitivo. Castrador. Difícil de agradar. Que pede ou exige obediência e até sacrifícios. Eu nunca fui subserviente. Nem a Deus.
Mas acredito no universo e sinto a humanidade a pulsar dentro de mim. Agora mais que nunca. Percebo a força da Gratidão, do Amor e sobretudo de fazermos parte de um todo. Faz-me sentir que a minha caminhada é mais acompanhada desta maneira.
Escrevo muito nestas minhas crónicas sobre a minha errância em Lisboa e em Bruxelas e agora reflito sobre a minha experiência na Madeira, que foi tão rica no último ano. Fez-me ter tempo. E como diz o artista Janeiro:
”Ter tempo só significa ter tempo
Para os que não pensam no tempo
Porque os que pensam no tempo
Só pensam mesmo em ter tempo
Então, no lento momento em que encaro o tempo
Penso no tempo sem pensar no tempo que verdadeiramente tenho
Porque só quem não pensa no tempo
É que pode, incessantemente, ter tempo”
Faço muitas referências à Música nos meus textos porque ela é a minha verdadeira companhia e por vezes inspiração.
Voltar à ilha não estava nos meus planos. E de repente vi-me de volta às origens, ao cinzento do calhau mas também à força brutal do verde e do azul. Ao fim e ao cabo deparei-me outra vez com a ‘madeirensidade’. Tive que aceitar esse processo, mas... mais que tudo, tive de o viver. Para não sucumbir precisei de estar em silêncio, na minha terra. Já tinha passado pela solidão estrangeira. Mas atravessar o mar do silêncio ruidoso na nossa casa é diferente, ou melhor ainda: transformador. Agora percebo que estou no sítio certo. Voltei a trabalhar em comunicação, quase que por um acaso divino… Escrevo crónicas e sinto que estou a agir de acordo com aquilo que o universo tem para mim. Já não fujo dos meus propósitos. Fugi da escrita e ainda assim ela veio buscar-me pela mão. Resta render-me e amiúde só o Mário Branco sabe descrever o que sinto:
“É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Mas sei
É que não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Mas sei
Que não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer
Qualquer coisa que eu devia resolver
Porquê, não sei
Mas sei
Que essa coisa é que é linda”.
Luso.eu | Jornal Notícias das Comunidades