Em Helsínquia, junto ao mar



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    Na linha costeira da capital finlandesa é frequente, na primavera e no verão, a lavagem de tapetes num exercício em família ou entre amigos. Como queria assistir ao ritual e tinha saudades de beira‑mar, postei‑me com a Jūratė num dos três estrados próximos do bar Mattolaituri, que é muito stylish e merece referência no guia Wallpaper. Eles têm mesas para a esfrega e, a alguns metros dali, há varais e uma máquina com rolo de prensagem para enxugo. A espera foi infrutífera, ninguém apareceu. Visto que fazia frio e no Mattolaituri só nos podíamos abancar na esplanada, seguimos para o café Ursula, também ele ao pé das águas do golfo. Aí nos serviram capuchino e duas guloseimas, o voisilmäpulla, pão doce redondo, condimentado com cardamomo, que no centro exibe a sequela de uma erupção de manteiga e por isso se chama «olho de manteiga», e o wienermunkki, pequeno travesseiro que sabe a bola de Berlim e tem recheio de compota.

     Céu e mar vestiam‑se do mesmo azul a desbotar para cinzento, mas os barcos e os ilhéus que se intrometiam no horizonte asseguravam não estar defronte de nós apenas uma unidade e o seu reflexo.

     No Ursula as pessoas discreteavam. À semelhança do que sucedia na cidade, a boa educação e a elegância de maneiras imperavam, a atmosfera era tranquila e convivial e tudo isso impediu que o cinza lá fora nos pesasse na alma. Em Bruxelas não é assim, o gravame do dia pardo é exacerbado pelo baixo nível dos serviços, pela falta de modos que ganha terreno, pelos absurdos com que tantas vezes temos de lidar.

     Dois dias mais tarde, voltámos à orla marítima de Helsínquia para ver o traço atípico do Löyly, estabelecimento com restauração, sauna e, segundo consta, the place to be. O conceito e as linhas revelam arrojo, mas quando lá fomos a estética dava de si ante cinco baleias que se exprimiam em inglês e um grupo de homens mal‑asados que vozeavam em espanhol, elas e eles no terraço da sauna contíguo à esplanada. Tão‑pouco eram agradáveis à vista e ao ouvido os asiáticos barulhentos que, com t‑shirts garridas, mergulhavam no Báltico logo que saíam do suadouro.

     Demos de frosques rumo ao café Birgitta, a dois minutos de caminho e de frequência nórdica. Nele gozámos o fim de tarde ao ar livre e assistimos à seguinte cena: um pardal pousou no prato em que um cavalheiro deixara restos de comida; logo apareceu um corvo que, de forma agressiva, afastou o pardal; por fim, uma gaivota investiu contra o corvo e expulsou‑o dali.

     Na Finlândia, vinha sentindo — ou, quando menos, testemunhando — concórdia, acatamento e civilidade. Desta vez, bravios foram os animais.

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Paulo Pego
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