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1. O palácio cor‑de‑rosa no qual está instalado o núcleo central da pousada de Estói é um admirável espécime de arquitetura civil. O jardim e a face do edifício que para ele está voltada merecem todos os encómios. Passear nas divisões de aparato e
demorar no Salão Nobre, que ostenta pintura de Adolfo Greno no teto e nas bandeiras das portas, foi um prazer.
Os hóspedes que vimos enquanto se procedia ao nosso registo de entrada na pousada eram convencionais e irritadiços, como aqueloutros que se albergavam no Hôtel de la Plage quando aí chegou o Sr. Hulot, no filme As férias do Sr. Hulot, de Jacques Tati. Mas essa primeira impressão, má, desvaneceu‑se logo a seguir, assim que enxergámos outras pessoas que ali se alojavam. Gente descontraída e bem vestida, que também dava mostras de elegância interior.
Confesso que, durante a permanência de alguns dias no albergue em questão, senti desconforto. Não dei por outros clientes lusitanos e cheguei a ser servido, no bar, por uma jovem de tez oriental que nem sequer falava português. Deploro o acolhimento servil prestado ao forasteiro e lamento que, em tanta coisa boa que o país pode oferecer, os portugueses sejam rari nantes in gurgite vasto. E já acho impalatáveis os estabelecimentos de comes e bebes em que só se ouve pedir hot chocolate, cucumber mojito, avocado toast e crème brûlée.
2. A Jūratė nasceu e cresceu na Lituânia integrada na União Soviética. À semelhança do que sucede com a maioria dos seus compatriotas, que arde em sentimento nacionalista, ela execra a Rússia e considera que a dominação soviética foi um esbulho e uma tentativa de usurpação da identidade do povo lituano.
Teve uma infância feliz, porque envolta em carinho parental, mas lembra‑se, ou sempre a sua família lho recordou, das privações, materiais e não só, a que a população esteve sujeita sob o jugo soviético. Além da ausência de liberdade e da proibição de cultivar a fé cristã, a Jūratė menciona, recorrentemente, o racionamento, as bichas para adquirir bens essenciais, os supermercados com prateleiras vazias ou apenas com um punhado de produtos de má qualidade. Era difícil comprar sabão (champô, nem vê‑lo), a boa carne e grande parte dos frangos eram encaminhadas para a Rússia, aos Lituanos restava comer patos.
Os parágrafos precedentes tornam decifrável certa reação da Jūratė em Santa Bárbara de Nexe.
Levou‑nos a essa aldeia a vontade de conhecer a respetiva igreja. Estava fechada e um senhor aconselhou‑nos a bater à porta da residência paroquial. Solícito, o prior abriu‑nos uma porta do templo, conversou connosco, quis saber a nacionalidade da Jūratė e regressou a casa, não sem antes adiantar que se juntaria a nós daí a dez minutos.
Assim foi. Reapareceu acompanhado por dois homens, um dos quais educadamente perguntou à Jūratė se ela falava russo. A questão exasperou‑a. Fez carranca, alçou a voz e respondeu: «Detesto a Rússia, não quero falar russo.» Mantendo a calma, o seu interlocutor apresentou‑se, disse que era ucraniano e morava em Portugal havia dezenas de anos. Ali se encontrava, com o cura local, a fim de mostrar o miolo da igreja a um sacerdote ucraniano que visitava Santa Bárbara de Nexe.
Adito mais um apontamento revelador do nacionalismo dos Bálticos: uma colega minha, Mari Remmelgas de sua graça, está a fazer um curso de instrução militar e, se necessário, deixará a vida confortável que tem em Bruxelas para ir lutar pela sua Estónia, mormente contra a Rússia.
Quanto à igreja, tem ornatos encantadores: o arco cruzeiro, em ogiva, exibe faixa de decoração predominantemente vegetalista; encima‑o um revestimento azulejar policromo e um painel, também de azulejos, que representa a coroação de Santa Bárbara por dois anjos; a abóbada artesoada e polinervada que cobre o primeiro tramo da capela‑mor produz belo efeito.