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Pouco depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, já lá vão dois anos, não faltou quem chamasse a atenção para as semelhanças com a guerra colonial portuguesa. Em ambos os casos, uma ditadura levou a cabo uma guerra contra todo o bom senso e a opinião generalizada da opinião mundial. Em ambos os casos, muitos dos mancebos em idade militar preferiram escapulir-se para fora do país a ir combater numa terra longe, gente que nunca lhes fez mal nenhum.
Existem também diferenças, é claro. A guerra colonial começou em resposta a um massacre pela UPA, no norte de Angola a 15 de Março. Pelo contrário, Putin ordenou a invasão da Ucrânia porque acredita que este enorme território pertence à Rússia por direito natural. Mas independentemente das causas que estão no início de cada guerra, os resultados não diferem muito. Destruição de vidas, sem qualquer sentido ou propósito.
Voltando às semelhanças, há uma que certamente todos os portugueses são capazes de reconhecer. Enquanto não mudar a liderança do país, a guerra não acaba. Portugal arrastou-se penosamente durante 13 longos anos, até que uma revolta forçou a uma mudança de regime. Durante estes anos de guerra, Portugal perdeu aliados, viu as guerrilhas serem recebidas por amigos e inimigos e gastou dinheiro que não tinha numa guerra que estava condenado a perder. Foi precisa uma revolta que forçou uma mudança de regime para acabar uma guerra, que até ao dia 23 de Abril parecia que iria durar ad eternum.
No caso russo, Putin está de pedra e cal, ou pelo menos é isso que aparenta. E o único desafio ao seu poder veio de Yevgeni Prigozhin, que era tão ou mais fanático do que Putin no que respeita à Ucrânia. Não é de estranhar portanto que recentemente, o presidente francês Emmanuel Macron tenha sugerido a ideia da Europa entrar na contenda pelo lado da Ucrânia. Todos, ou quase, os países da NATO vieram imediatamente e publicamente dizer que enviar homens para o terreno estava fora de hipótese. O que se compreende, poucos ou nenhuns na Europa querem a guerra. Mas Macron colocou o dedo na ferida.
Parece-me correcto afirmar que enquanto Putin y sus muchachos forem capazes de evitar janelas e beber chá, a guerra continua. A oligarquia russa vê zero valor na vida humana, e aposto que nem pestanejaram ao saber dos mais de 20 mil soldados que morreram para conquistar os destroços de Avdiivka. Na boa tradição estalinista, 20 mortos é uma tragédia, 20 mil são estatística. E de qualquer forma, na sua maioria quem morre são camponeses pobres das regiões remotas da Rússia. E não os vizinhos e amigos que vivem em Moscovo ou São Petersburgo.
Compreende-se por isso que Macron veja apenas o confronto físico com a Rússia como a única forma de efectivamente acabar com a guerra. E por muito que me custe escrever, penso que tem razão. Quando as sanções não funcionam, quando a perda de vidas é algo que não entra nos cálculos da liderança russa, o que sobra senão última opção ?
Mas o problema não está, a meu ver, no envio de tropas, mas sim no que fazer em caso de vitória. Em 1945, os aliados viram-se numa encruzilhada no que diz respeito à Alemanha. Iriam reduzi-la a um país pobre e sem economia e meios para se voltar a re-armar ? Ou iriam pagar a re-construção, na esperança de que o comércio com os vizinhos prevenisse novamente uma guerra devastadora ? Sabemos, claro, que escolheram a segunda via. Mas no caso russo, a escolha é tudo menos evidente.
Durante as décadas que antecederam a invasão da Ucrânia, a Rússia forneceu gás e petróleo ao Ocidente. Que lhe retribuiu ignorando os atropelos aos direitos humanos, às liberdades individuais e à corrupção. E nesse espaço de tempo, Putin invadiu a Geórgia, anexou a Crimeia. E claro, invadiu a Ucrânia. Visto que a cenoura do comércio não funcionou, por isso é tentador pensar que é altura do bastão no lombo. Mas como a aventura do Iraque mostrou, uma sociedade livre não se constroi como um modelo da Lego. Uma hipotética invasão da Rússia arrisca abrir a caixa dos nacionalismos, e ninguém garante que não acabem todos à batatada entre si.
Sim, delenda Moscua parafraseando Catão o Velho. Mas a Moscovo que tem que ser destruída é a da oligarquia que trata os seus cidadãos como os mujiques de antanho. Bestas de carga, que só por coincidência, tinham aparência humana. Sim, delenda Moscua mas a Moscovo que arroga a si própria direitos sobre os outros povos. Sim, delenda Moscua mas a Moscovo que se comporta como um bando de mafiosos. Sim, delenda Moscua. Só falta saber como.