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Que farei quando tudo arde? Sá de de Miranda
Mas o recente atentado terrorista em Bruxelas, obriga-me a me confrontar com o lado mais escuro da alma humana. Enquanto o terrorista andava ocupado a matar gente, estava eu reunido com o grupo de pais da catequese da minha filha. Terminamos a reunião com um cântico e uma cervejinha. E eu que não sou nada dado a espiritualidades, foi com o coração alegre que me dirigi para o carro. Um daqueles momentos em que estamos bem com o mundo, não temos problemas nem chatices a azucrinar-nos a cabeça. Mas quando chego a casa e descubro o que se passou, vem-me imediatamente à memória algo que se passou em 2016.
Deviam ser umas seis ou sete da noite, nas semanas que se seguiram ao atentados terroristas no aeroporto e metro de Bruxelas. Estava eu, precisamente, no metro, a caminho da aula de neerlandês, e entra um magrebino com sacos. Instintivamente todos os passageiros, eu incluído, afastam-se e lançam-lhe um olhar de desconfiança misturado com ódio. O pobre coitado, vinha com um ar cansado, resignou-se e ficou de pé encostado à porta até a sua paragem.
É neste momento que me apercebo da difícil situação em que estávamos. O magrebino, culpado por associação sem ter culpa nenhuma, nós com medo que hoje fosse a nossa última viagem de metro. Umas semanas antes, ninguém teria reparado em quem entrava ou saía da carruagem, e faríamos a nossa viagem no mais perfeito anonimato. Mas naquela noite, o medo separou-nos e etiquetou cada um como inimigo do outro. O magrebino certamente a pensar, que já não lhe bastava o trabalho mal pago com que pagava as contas, via-se que não era propriamente rico, ainda tinha que levar com olhares de soslaio por ter cara de terrorista. E nós, ou pelo menos eu, a pensar que o tipo e mais os da sua laia estavam bem mas era no outro lado do Mediterrâneo. Eu sei, não foi o meu momento mais feliz. Mas a possibilidade real de ter que lidar com um maluco suicida tem o dom de transformar gente razoável em bestas.
Mais ou menos o que está agora a acontecer na Faixa de Gaza. Tanto do lado palestiniano, como de Israel, as populações estão presas pelos actos de fanáticos que só estão bem a derramar sangue. Depois do massacre de 7 de Outubro, como é que um israelita, bem intencionado e com o coração aberto vai agora defender o derrube do muro na Faixa de Gaza e a co-habitação pacífica com palestinianos ? E na devastação, miséria e caos que se vai seguir à intervenção do exército israelita, como poderá um palestiniano acenar com um ramo de oliveira ? Não podem, não conseguem, e se tentassem seriam no melhor dos casos silenciados. No pior, eliminados.
No enorme filme "Underground", de Emir Kustirica, perante uma guerra terrível, os habitantes de uma aldeia refugiam-se na cave de uma casa. Enquanto fecha o alçapão, o dono da casa diz-lhes que é para a segurança deles que ele os fecha na cave. E aí, isolados e ignorantes do mundo que os rodeia, retomam sua vida. A dada altura há um casamento e enquanto toda a gente está a dançar e a festejar, um macaco entra dentro de um tanque militar e dispara o canhão. Abre uma fenda na parede por onde se escapam os habitantes, que acreditando ainda estar em guerra começam de facto, uma nova guerra. O filme é uma alegoria à Jugoslávia, desde a sua criação após a Segunda Guerra Mundial, passando pela Guerra Fria e terminando com a Guerra dos Balcãs nos anos 90. As cenas finais do filme, sossegue que não vou fazer spoiler, são absolutamente brilhantes mas o que me mais me marcou foi mesmo o macaco que deu o tiro de partida para a última guerra. Uma criatura inconsciente e irresponsável, que acendeu o rastilho que e fez explodir os Balcãs.
É este macaco que me vem à cabeça quando leio sobre atentados terroristas. Perfeitos irresponsáveis, a criar confusão quando o que todos precisamos é de um bocadinho mais de calma. O tunisino que matou duas pessoas em Bruxelas, o checheno que matou um professor em Arras ou o Hamas que espalhou terror em Israel, dizem defender um povo e uma religião. O que estão a fazer é lixar ainda mais a vida a esse povo e aos dessa religião que só querem fazer a sua vida tranquilos. Sem serem olhados de lado com suspeita, quando usam o metro. Ou quando arriscam a vida em botes de borracha, atravessando o Mediterrâneo. No fundo, terroristas são macacos a fingir serem humanos.