Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!
Passámos perto de Esmolfe, a aldeia de que é originária uma variedade de maçã que satisfaz o palato e perfuma o aposento, a bravo‑de‑esmolfe. Um tracanaz da reputação de Penalva do Castelo promana da maçã, da pinga do Dão e do queijo da serra.
A Igreja da Misericórdia, acabada de construir no século xɪx, reúne elementos barrocos e neoclássicos. Apreciei a sua fachada verticalista, o corpo central e as duas torres sineiras rematadas por coruchéus. Mas, no meu juízo, o espaço interno é frio e padece de falta de harmonia (salva‑se o órgão de tubos).
Falava‑se com fervor da Jornada Mundial da Juventude, que teria lugar em Lisboa daí a cerca de três meses e que estava devidamente sinalizada em listões dentro da igreja. A fé move montanhas, admiro estas almas arrebatadas. No que me toca, não quero pensar em multidões — turvam‑me o espírito e infligem castigo ao corpo.
O penalvense tem música no coração, a Banda Musical e Recreativa da terra foi fundada em 1825. Ouvimo‑la atuar enquanto desfilava na rua, gostámos da polifonia. Pelo que representa na vila, a banda merecia homenagem mais bem trabalhada do que a tosca estátua erguida em seu tributo.
Que bonita é a Casa da Ínsua, armação barroca igualmente designada pelo nome de Solar dos Albuquerques, sita numa quinta com jardins de bela catadura. Na feição que hoje lhe conhecemos, foi construída no século xvɪɪɪ por vontade de Luís de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, governador e capitão‑general de Mato Grosso, no Brasil. Um corpo central e os dois torreões que o ladeiam formam o conjunto residencial, que cresceu em elegância por via do arrumo e da bordadura das janelas e também graças às lógias e aos merlões das torres.
O palacete foi convertido em hotel, a cujo restaurante de boa pinta fomos almoçar.
A cozinha recorre, na medida do possível, a produtos da quinta e das redondezas. A Jūratė manducou bacalhau confitado com puré de alho e pimentos e eu despachei um tornedó de cabrito com arroz de grelos. Servidos como pospasto, vieram leite‑creme de ovelha com gelado de café e tarte de requeijão com sorvete de abóbora e hortelã. Tudo tinha boa apresentação, tudo nos fez lamber as beiças, não tenho ânimo para particularizar. O vinho, Casa da Ínsua tinto, da colheita de 2018, soltou sabor elegante e esteve à altura do resto.
Depois do almoço, passeámos pela Cozinha Branca e pelo chorume das divisões de aparato. Não mencionarei os luxos ornamentais, antes exemplos daquilo a que, na Casa da Ínsua, dei mais relevo: o avanço tecnológico, o recurso ao engenho de invenção recente.
Em 1893, instalaram na quinta uma central termoelétrica e, em 1902, foi construída uma central hidroelétrica no rio Coja, que produzia eletricidade para consumo próprio (da Casa da Ínsua) e para povoações vizinhas. Em 1906, a fazenda passou a dispor de rede oficial de distribuição de eletricidade. Quanto ao telefone, chegou aqui no primeiro quartel do século xx.
A capela, edificada antes dos blocos que compõem o atual complexo residencial, é pequena, mas a combinação da verticalidade com a policromia, a decoração e os materiais usados logra sugerir pompa.
Se esquecer a incursão à Casa da Ínsua, fixei na retina um concelho que, apesar de tocado pela mão generosa de Ceres, permanece desfavorecido, mais um em que os «bons resultados da economia» não chegaram à vida das pessoas. Não fiquei surpreendido. Mesmo fiando‑me da verdade dos números, redarguo: a parcela do rendimento criado que reverte a favor do fator trabalho vem diminuindo, o buzilhão está a ser mal distribuído. Por outro lado, os dados positivos da economia assentam, em grande medida, no turismo e, nesta zona, só na Casa da Ínsua descortinámos turistas.
À carência económica vai amiúde associada a pobreza cívica e o certo é que, num café próximo do recinto da Casa da Ínsua, escutei conversa de timbre machista e excludente.
Acima, aludi à JMJ. Estimo e admiro o Papa Francisco. A JMJ foi bem organizada, apreciei a fraternidade de que tantos deram provas e a alegria estampada no rosto de muita gente, vi esperança. No entanto, a isso contraponho o destacamento de recursos que faziam falta noutros sítios, as restrições à mobilidade, as despesas feitas por um Estado laico (assunto que diz respeito a todos, não só aos católicos) e as compensações que da JMJ advirão para os portugueses. Restam‑me dúvidas acerca da virtude da realização da JMJ, em grande parte financiada por investimento público, no nosso país. E nem sequer argumento com os abusos sexuais, e sua miserável ocultação, no seio da Igreja Católica portuguesa.
Carlos Moedas usou a JMJ para se exibir e para se promover, ambiciona a presidência do PSD. Nas últimas eleições legislativas, votei no PSD e confesso que tenho saudades de ver Rui Rio a empunhar a batuta desse partido. Errou, mormente em razão da ambiguidade do posicionamento do seu partido perante o Chega. Mas é honesto e recolocou o PSD naquele que deve ser o seu lugar: o centro do espetro político, que abrange o centro‑direita e o centro‑esquerda. Não me vejo a votar no PSD dirigido por Luís Montenegro, um líder sem ideias e sem rumo; e ainda menos num PSD chefiado por Carlos Moedas, que só sabe conceber um país para ricos e que me parece ser mais da Iniciativa Liberal do que do PSD. Sirvo‑me de palavras que Luís Filipe Meneses usou em 1995: a ascensão de Moedas à testa do PSD representaria o triunfo de um «eixo elitista, sulista e liberal», que despreza os desfavorecidos e a classe média, que ignora os interesses dos trabalhadores, dos funcionários públicos, dos empresários e dos comerciantes de pequena dimensão.