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A verdade raramente é pura e nunca é simples.
The Importance of Being Earnest, Oscar Wilde
A BCC decidiu não designar o Hamas como terroristas porque, e passo a citar "Terrorism is a loaded word, which people use about an outfit they disapprove of morally. It's simply not the BBC's job to tell people who to support and who to condemn - who are the good guys and who are the bad guys." Traduzindo por miúdos em língua de gente: terrorista é uma palavra feia, a BBC dá-se ao respeito e não anda por aí a chamar nomes às pessoas.
Faz pensar se também deixaram de usar outras palavras feias, e moralmente carregadas, como por exemplo pedófilo, assassino ou ladrão.
Ironias à parte, a explicação da BBC é em parte defensável. Não compete aos jornalistas formular opiniões, mas sim relatar os factos. O problema é que, até prova em contrário, o trabalho de um jornalista não se faz sem utilizar palavras. E sim a escolha das palavras é importante, e um texto mal escrito pode induzir o leitor em erro. O Público, por exemplo, colocou a palavra massacre entre aspas no título desta reportagem, que descreve as atrocidades cometidas pelo Hamas numa das aldeias perto da Faixa de Gaza, no passado 7 de Outubro. Para quê colocar entre aspas algo que objectivamente, de acordo com as descrições na reportagem, é efectivamente um massacre?
Para que, como diz a BBC: "Our business is to present our audiences with the facts, and let them make up their own minds." Ou na língua de Camões, os jornalistas apresentam os factos, os leitores tiram as conclusões. Mas a relutância em chamar os bois pelos nomes também não me parece que seja a melhor abordagem. Em Portugal, a dada altura todas as notícias que envolviam ciganos eram trabalhadas de forma a evitar a palavra cigano. Mas o que se abafava no corpo da notícia, era gritado a plenos pulmões nas caixas de comentários. Compreende-se a intenção original, não estigmatizar ainda mais um grupo marginalizado. Mas o efeito conseguido foi exactamente o contrário. Reforçou ainda mais os estereótipos negativos sobre ciganos, sob o mui nobre pretexto de se estar a lutar contra a censura nas notícias.
A propósito de censura, um professor meu no secundário contou-me que nos anos 70, em plena ditadura, Américo Thomaz faz uma visita a Coimbra em Abril. Os estudantes organizam uma manifestação, há confrontos com a polícia e são feitas prisões. No dia seguinte, o Diário de Coimbra, na secção de meteorologia, avisa que naquele dia "estão 52 à sombra". Para bom entendedor, meia-palavra bastou. E a verdade é como o azeite, vem sempre ao cimo.
O problema de se usar meias palavras é que a dada altura, incorre-se em contradições. No mesmo editorial, continua a BBC: But this doesn't mean that we should start saying that the organisation whose supporters have carried them [atrocities] out is a terrorist organisation, because that would mean we were abandoning our duty to stay objective. Resumindo, a BBC deixa de ser objectiva se dizer que um grupo é terrorista quando os seus membros se comportam como terroristas. Batemos no mesmo ponto. Se anda como um pato, grasna como um pato e tem penas como um pato… então se calhar é mesmo um pato. Para quê andar com paninhos quentes ?
O erro da BBC não está em recusar nomear o Hamas como terrorista, mas sim em não ser sincera. O Hamas é o principal grupo organizado na Faixa de Gaza, tem possivelmente um forte apoio por entre a população e classificá-lo como terrorista poderia ser visto como uma justificação para todas e quaisquer retaliações israelitas. Lá está, a BBC ao utilizar palavras com forte carga negativa poderia ser acusada de falta de objectividade e de fazer julgamentos morais. No entanto essas dessas acusações já não se safa, como prova o editorial, e neste caso com a agravante de ser vista como sendo enviesada para um dos lados. Não é possível agradar a gregos e a troianos, mas é certamente possível utilizar as palavras adequadas, por muito feias que sejam.