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Na verdade ninguém esquece os caminhos da infância. O pequeno país que ficou sepultado na bruma. Todo homem guarda no coração a mensagem que lhe entrou pelos olhos, mal abertos para os mistérios da vida. O importante, porém, é reconquistar a paisagem perdida. Encontrar, novamente, os velhos caminhos. E por eles andar, de alma alegre, vendo desfilar o rosário das emoções ressuscitadas. “— Luiz Cristóvão dos Santos
Abri um livro que repousa há alguns dias na minha secretária. Numa das páginas leio “Tenho crises de ternura que me dão vontade de chorar” Sully Prudhomme no seu diário intimo e pensamentos, diz que, apesar de ter as pálpebras inchadas, não existe sequer uma lágrima. Acontece. Tal como acontece estas coisas no amor que para ele é assunto de poesia. Aconteceu-lhe, por várias vezes, ligar-se a uma mulher por três ou quatro dias, de passeios, conversas enternecidas e depois dizer-lhe que vai fazer uma viagem, uma grande viagem e escreve assim o seu fim. Avanço mais uma página e leio “Há dois “eus”, um dos quais é sempre melhor ou pior do que o outro” e afirma que não existe consciência sem esse dualismo. À medida que folheamos mais uma página encontramos pensamentos pertinentes, tal como este em que diz “O Homem tem um dos pés na terra e com o outro procura, tateando, o degrau seguinte, situado no infinito. É a isso que chamamos aspirar”. Há muitas formas de escrever, ou transmitir uma ideia, tal como Eduardo Galeano cita Fernando Birri in Las Palabras andantes? “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
Ninguém, mas ninguém que deseje vida, sonho e aspire, jamais parará. Parar é morrer por dentro. Quando deixamos de sonhar, de amar, de lutar, começamos a envelhecer e a antever uma morte precoce.
Foco o meu olhar sobre um outro parágrafo e desta vez é sobre a amizade. O autor diz que as amizades antigas são como as raízes deixadas pelo inverno, e mais adiante leio estas palavras que me deixam enternecida “Nada mais doce conheço no mundo do que a conversa de um amigo sobre assuntos tristes.” A isto chama-lhe uma afeição verdadeira. Também lhe dou o mesmo nome.
Os amigos até podem variar em tudo mais, mas têm de se parecer nos sentimentos. Quando isto não acontece, haverá amizade? Também leio a seguir, “Há uma medida infalível para as afeições: o tempo que lhes consagramos”.
Há um provérbio africano que ilustra bem essa imagem, “A Amizade é um caminho de areia que desaparece se não o percorrermos frequentemente. "
“O tempo foge, atraso-me” …leio. O que acontece quando nos atrasamos?
Também as memórias, se não forem percorridas frequentemente, acabam por dissipar-se em devaneios e céus distantes.
Por isso, escrevo-as. Devolvo-as à vida. As memórias devem ser materializadas para que a melancolia ressalte numa paisagem bucólica ou num punhado de nuvens.
Há uma vontade súbita de chorar. O sono que tarda a chegar. O tempo que não consagramos à afeição.
Espero não me ter atrasado muito e que ainda valha a pena voltar ao tempo de ver crescer o milho e esperar pacientemente pela sua colheita. De não ter de agarrar os olhos com as mãos para ver o verde dos campos e o curso de um rio. De nos deleitarmos a ver um caracol ou uma lagartixa estendida ao sol quando estamos sentados num degrau de uma escada. Ter o privilégio de nada dizer ou fazer e contemplar as singularidades da vida. Não prestamos a devida atenção a uma árvore que nasce e cresce naturalmente, mas damos demasiada importância a um pilar que se atravessa no nosso caminho.