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Fez Mestrado em História, na Universidade do Minho, Pós-Graduação em Ciências Documentais (Ramo de Bibliotecas e Documentação), na Universidade Católica Portuguesa, e Licenciatura em História (Ramo Científico), na Universidade do Minho.
SML Anabela, nasceste em Viseu, mas estudaste e vives em Braga. Qual foi o principal motivo que te fez escolher esta cidade?
AFC O património natural e arquitetónico da cidade e da região do Minho. Na minha adolescência tinha visitado a cidade de Braga e o Gerês com os meus pais, e tenho a memória de ter ficado deslumbrada com a paisagem natural, com os solares antigos e com o património arquitetónico da cidade. Quando fiz a minha candidatura à universidade a média na Universidade do Minho permitia-me entrar num dos cursos que eu queria, e como havia mais pessoas a concorrer para Coimbra e para o Porto eu achava que a probabilidade de eu entrar em Braga era maior, e foi. Como fiz a licenciatura em História, e a história da cidade de Braga é riquíssima, não tive dúvidas em ficar. As questões emocionais também influenciaram muito a minha decisão e o facto de ter conseguido trabalho relativamente perto também. Eu frequentava muito a BPB (Biblioteca Pública de Braga) e o ADB (Arquivo Distrital Braga) para os trabalhos de investigação e adorava passar lá horas intermináveis. O sonho de ser bibliotecária/arquivista surgiu daí, porque o sonho de ser investigadora morreu quando acabei o curso e constatei que seria muito difícil viver disso. No fundo, a minha personalidade e a “alma” da cidade de Braga têm muitas coisas em comum.
SML Terminaste a licenciatura em história e conseguiste trabalho perto. Nesse trabalho já exercias funções de bibliotecária/arquivista?
AFC Após terminar a licenciatura não consegui logo trabalho na área que um recém-licenciado em história sempre idealizou, designadamente em projetos de investigação, em bibliotecas, arquivos ou museus, ou em outros projetos culturais. Nos primeiros meses trabalhei num centro de estudos e só com o Programa de Estágios Profissionais, do Instituto do Emprego e Formação Profissional, para técnicos superiores, é que tive oportunidade de iniciar a minha primeira experiência ligada aos arquivos. Nessa altura apresentei um projeto de estágio no Arquivo Municipal de Amares, que foi aprovado pelo IEFP. Nesta mesma altura fiz a pós-graduação em Ciências Documentais e como o Município de Amares se encontrava a preparar o projeto da biblioteca de leitura pública, acabei por acompanhar o projeto e ter o privilégio de o implementar. Foi um desafio!
SML Deve ter sido mesmo muito desafiante. Anabela, atualmente qual é o cargo que exerces na Biblioteca Municipal de Amares e quais as tuas competências?
AFC Atualmente sou coordenadora do Serviço de Biblioteca e Arquivo Histórico, que se encontra integrado na Divisão de Educação, Cultura e Ação Social do Município de Amares. Enquanto coordenadora deste serviço, compete-me estabelecer critérios de funcionamento do serviço de empréstimo e assegurar aos funcionários formação, equipamento e software necessário para o desempenho das suas funções, bem como disponibilizar aos utilizadores a documentação fundamental e atualizada, e em vários suportes; assegurar o bom funcionamento do sistema de gestão documental para tratamento técnico dos documentos e sua disponibilização através do catálogo coletivo; garantir aos utilizadores equipamento informático e um bom serviço de acesso à internet; disponibilizar mobiliário ergonomicamente adequado aos leitores; fazer uma boa gestão das coleções, prevendo regularmente a incorporação de novos títulos, fazendo uma boa manutenção das doações e propostas de eliminação de documentos; assegurar a qualidade no atendimento ao público; criar uma boa programação cultural e serviço educativo regular; garantir o apoio e orientação dos utilizadores dos serviços eletrónicos e prestar um bom serviço de atendimento virtual (e-mail, telefone e redes sociais);desenvolver o Fundo Local e promover a sua divulgação junto da comunidade; garantir a higiene e limpeza dos espaços, bem como uma boa iluminação e climatização; alertar os serviços responsáveis para a manutenção e segurança do edifício e equipamentos; colaborar e coordenar edições municipais e dar apoio a autores locais; colaborar com a rede de bibliotecas escolares e do ensino superior do concelho, relativamente a questões de tratamento técnico, formação de leitores e professores e dinamização de atividades e projetos de promoção da leitura; colaborar com outras redes regionais e nacionais, designadamente a RIBCA – Rede Intermunicipal de Bibliotecas de Leitura Pública do Cávado (CIM Cávado); RNBP – Rede Nacional de Bibliotecas Públicas; RBE – Rede de Bibliotecas Escolares; estabelecer parcerias com as várias instituições do concelho; tratar, conservar e disponibilizar o acesso à documentação do Arquivo Histórico Municipal a estudantes, investigadores e munícipes; dar apoio na dinamização da atividade cultural, científica e formativa do Centro de Estudos Mirandinos; atualizar as redes sociais e sites institucionais; desenvolver a Comunidade Biblioteca Francisco de Sá de Miranda da Biblioteca Digital do Cávado – AquaLibri; apresentar candidaturas para projetos e financiamentos públicos; e por fim avaliar a eficiência dos serviços, atividades e projetos de forma a assegurar a sua qualidade.
SML Não há dúvida que exerces um cargo de muita responsabilidade com diferentes funções e para além disso, ainda foste responsável pela implementação da rede de Bibliotecas Escolares do 1º Ciclo, em Amares, bem como, implementaste vários projetos de mediação da leitura para crianças e jovens. Queres falar um pouco sobre esses projetos, o impacto e a importância dos mesmos na vida escolar e pessoal destas crianças e jovens?
AFC Em 2003 a Câmara Municipal de Amares e o Agrupamento de Escolas de Amares apresentou uma candidatura à Rede de Bibliotecas Escolares onde foi aprovada a instalação cinco bibliotecas escolares em escolas do 1.º ciclo/pré-escolar, nas freguesias de Amares, Barreiros, Caires, Figueiredo e Rendufe. Posteriormente, com a reformulação do parque escolar de Amares, em 2011, onde todos os alunos do pré-escolar e 1º ciclo foram agrupados em seis centros escolares (Bouro Santa Maria, Amares, Ferreiros, Rendufe, Lago e Caldelas), foram criadas novas bibliotecas escolares e outras adaptadas. Nesta altura o Município de Amares foi responsável pela realização dos projetos e pela adaptação dos espaços, pela aquisição de mobiliário, equipamento informático e fundos documentais. Posteriormente, com a criação do SABE – Serviço de Apoio às Bibliotecas Escolares, em 2012, o Município de Amares passa a disponibilizar apoio técnico no tratamento documental, bem como o licenciamento do software de gestão das bibliotecas. A par deste trabalho mais técnico, o Município de Amares/Biblioteca Municipal, foi sempre um grande parceiro em projetos e atividades de promoção do livro, da leitura e da escrita junto da comunidade escolar, entre os quais destaco o projeto O Caminho das Letras (2004-2005), a Feira do Livro de Amares e Mostra Pedagógica(2003-2024), o projeto ParAmares a Leitura (2018-2021), e o projeto Amares a Leitura (2023). Estes projetos e outras atividades que desenvolvemos com a rede concelhia de bibliotecas escolares oferecem ferramentas aos alunos na área da leitura, da escrita e da literacia digital, facilitando no seu dia-a-dia a compreensão dos conteúdos curriculares das várias disciplinas, promovendo o sucesso educativo e a motivação para as aprendizagens. A avaliação geral é muito positiva, quer do ponto de vista dos resultados apurados, quer do feedback positivo dos alunos e professores envolvidos. A evolução nas aprendizagens e a evolução individual de cada criança ou jovem contribui para um maior sucesso na vida pessoal e futuro profissional, e como consequência, maior felicidade e maior probabilidade de desenvolvimento de um território.
SML- Para além destas atividades, também dás assessoria ao Centro de Estudos Mirandinos. Em que consiste este Centro de Estudos e com que finalidade foi criado?
AFC Criado em 2020, o Centro de Estudos Mirandinos é uma instituição de investigação constituída por tempo indeterminado, integrada na estrutura da Câmara Municipal de Amares, e tem como finalidade a promoção e divulgação de trabalhos e atividades na área científica dos estudos sobre a vida e obra de Francisco de Sá de Miranda. O CEM encontra-se instalado na Biblioteca Municipal Francisco de Sá de Miranda e desenvolve várias atividades ao longo do ano, designadamente: trabalhos de investigação na área da sua especialidade (os estudos mirandinos), em conexão com outras áreas do conhecimento; promove a publicação de textos e obras de natureza científica, cultural, pedagógica e artística em torno da figura e da obra de Francisco Sá de Miranda, bem como da sua época histórico-cultural; organiza cursos, ações de formação, reuniões científicas e iniciativas de caráter cultural na área da sua especialidade, dirigida a vários públicos; estabelece protocolos de cooperação com entidades científicas e culturais nacionais e estrangeiras; promove o património cultural e turístico da região de Amares associado à vida e obra de Sá de Miranda. Ainda no âmbito da sua atividade, o CEM organiza bienalmente o Prémio Literário Francisco de Sá de Miranda, com o objetivo de incentivar a criação literária no domínio da poesia, destinado a autores de língua portuguesa. De uma forma geral, as atividades desenvolvidas pelo CEM são de natureza científica, cultural, pedagógica e turística, permitindo o envolvimento dos vários tipos de público e de toda a comunidade.
SML Anabela, para finalizarmos a entrevista e sabendo que estás rodeada de livros, qual é o livro da tua vida?
Não tenho um livro da minha vida, mas sim vários livros que me marcaram. A partir do momento que passo do primeiro capítulo de um livro é porque este já despertou o meu interesse, porque sou uma pessoa extremamente sensível a uma boa história, ou a uma boa poesia. No entanto, posso falar de dois que me marcaram num tempo particular, que foi o período da pandemia. Quando começou a pandemia, em março de 2020, eu tinha acabado de ler “A cidade e as serras”, de Eça de Queirós, e na semana antes das escolas fecharem eu estava na aldeia dos meus pais, em Viseu, porque tinha falecido um familiar que me era muito querido, e tinha levado os meus filhos, porque no colégio deles já não havia alunos. Como as escolas fecharam na semana seguinte, eu vim a Braga buscar dois computadores portáteis, um para mim e outro para os meus filhos, e no mesmo dia volto para a aldeia dos meus pais. A verdade é que durante um mês e meio fiquei em teletrabalho, e os meus filhos com aulas online, numa aldeia de onde se via a Serra da Estrela. Posso dizer que apesar da tragédia que foram esses dias a nível mundial, aqueles dias naquele lugar trouxeram-nos muita tranquilidade, e até felicidade, porque a família reuniu-se toda num lugar onde parecia que o tempo tinha parado. Então fiz esta analogia ao regresso de Jacinto de Paris às serras de Tormes, completamente entusiasmado pela natureza e pelo campo, onde ganhou anos de vida e chegou à conclusão que o desenvolvimento/progresso da cidade não é sinónimo de felicidade.
Por essa altura tinha terminado de ler o livro “Ensaio sobre a lucidez”, de José Saramago, que gostei bastante, principalmente da parte mais humorística do texto. No final descobri que deveria ter lido primeiro o “Ensaio sobre a cegueira”. Então fiz questão de o ler logo de seguida. Posso dizer que, com todo o cenário que se passava nas televisões sobre a pandemia, a minha leitura deste livro foi viciante e perturbadora ao mesmo tempo. O autor faz-nos ver a humanidade na mais miserável condição de sobrevivência.
Durante os dois anos da pandemia ainda li o livro “Levantado do chão”, outra obra sobre a desigualdade social e o caminho para a libertação de um Portugal oprimido, que toca profundamente os nossos sentidos. No fundo, cada leitura leva-nos a um maior conhecimento do mundo, o que nem sempre traz felicidade ao leitor.