Em Vila do Bispo



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           Outrora, os agricultores de Vila do Bispo abasteceram os seus comprovincianos de cereais, ali se achava o «celeiro do Algarve». Não vi, contudo, moinhos que testemunhassem bênçãos pretéritas de Ceres. No que tange ao património, dirigi‑me, em primeiro lugar, para a igreja matriz da sede do concelho, consagrada a Nossa Senhora da Conceição.

           As portas fechadas desmentiam as informações que havia recolhido acerca do horário de abertura da igreja, cuja nave tem forro azulejar e teto de masseira, dividido em caixotões pintados. Na capela‑mor, coberta por abóbada com ornato pictural, admira‑se um belo retábulo de talha dourada e venera‑se uma imagem da padroeira. Restou‑me observar a fronte do templo, agradável à vista, mas incapaz de causar pasmo.

           Gosto de trabalhar no Conselho da União Europeia, sobejam‑me motivos para lhe estar agradecido. Designadamente, aí frequentei ações de formação que me ensinaram a lidar com pessoas rudes e antipáticas. Não fora isso, não teria conseguido almoçar no restaurante A eira do mel, em Vila do Bispo. Cheguei lá e, sem ter de ler fundo, percebi que o patrão do estaminé tinha mau feitio. Mais tarde, evidenciou modos desabridos ao receber um casal de estrangeiros, de tal jeito que a parelha se foi embora e, ao passo que se afastava, invetivava o senhor mediante sonoro «Fuck you! Fuck you!».

           Usei as minhas «competências sociais e comportamentais», amansei a fera, comi muitíssimo bem.

           Serviram‑me pão, azeitonas e ambrosíaca manteiga de algas, feita na casa. Depois, veio a sopa de abóbora com hortaliça, azeite extravirgem cru e sementes tostadas. Mais um mimo. As sementes haviam sido criteriosamente escolhidas e enriqueceram o caldo, por si só delicioso. Para outros ensejos ficarão as ostras gratinadas (e seu tempero de açafrão, funcho‑do‑mar e pimenta‑rosa) e a bisque de camarão selvagem, com pedacitos de pão torrado e óleo de açafrão.

           Os afagos ao paladar continuaram graças às ostras escalfadas em molho de caril, com óleo de açafrão e funcho‑marítimo, guarnecidas por basmáti e fruta fresca. Moluscos de elevada qualidade, molho sápido, arroz que denotava cozedura correta e perfume adequado. Registei, para o caso de voltar ao restaurante, o bife de atum e sua escolta de xarém de berbigão, a cataplana de polvo com batata‑doce, a cataplana de amêijoas à algarvia que leva carne e chouriço de porco preto, o coelho bêbedo, em molho de vinho tinto e cacau, e a cataplana de galinha, sazonada por coentros e hortelã.

           Terminei com queijo de figo, um doce tradicional do Algarve que, no restaurante em pauta, é preparado segundo a melhor arte e junta figos secos, amêndoa, açúcar, cacau, medronho, limão, erva‑doce e canela.

           A cozinha d’A eira do mel mostra um refinamento que não condiz com o aspeto nem com as maneiras do sobredito indivíduo, que me confessou ser, ele próprio, o criador dos pratos. Quem vê caras não vê corações. Depois de almoçar no restaurante em pauta, assevero: quem vê caras tão‑pouco vê cardápios.

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Paulo Pego
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