No Minho, prazeres para o paladar e para o olfato



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            Antes de jornadear com a Jūratė no Minho, dissera‑lhe maravilhas acerca da gastronomia local. Porém, no nosso primeiro giro pela região, colecionámos desilusões com o pábulo. Ufano e saudosista, em Barcelos levei‑a a um dos restaurantes da minha infância, o do hotel Bagoeira (era eu menino, uma pensão). Um logro, a juntar a outros que representaram a parte menos agradável da viagem.

            Durante passeata recente o Minho redimiu‑se de desacertos passados. E fê‑lo com distinção.

            Em Braga abrimos praça no Talismã, estaminé onde nos atendeu uma matrona eficaz e focada no trabalho. Comemos um delicioso robalo grelhado com couve e batatas. Preso a tinos higienistas, rejeitei os doces propostos como sobremesa e comi fruta, a Jūratė não resistiu ao pudim. Predominava a clientela bragana, rompia os ares a voz de um bronco com modos altaneiros, capaz de convencer somente a malta do seu campanário. Boa manja e preço correto, longa vida dê Deus ao Talismã.

            Sozinho, fui ao Arcoense, na mesma cidade. Já recebeu rores de lauréis e galardões e, pelo que vi e provei, fez‑lhes jus. Reina o conforto e nas paredes estão à vista fotografias de lugares emblemáticos da capital do Minho, mas o restaurante tem um estilo que não é o meu. A ementa é extensa, nela destaco os rojões à minhota, o cabrito assado de maneira tradicional, o cabrito pingado, o arroz de tordos e as papas de sarrabulho com rojões. Depois dos acepipes suculentos, pataniscas de bacalhau e presunto de porco bísaro, veio para a mesa uma dose abundante de rojões, também eles confecionados com porco bísaro. Papa‑finas, os rojões, a beloura, o redenho, a tripa enfarinhada, o sangue cozido, as batatas, o arroz, as castanhas e os grelos mereceram plena aprovação, faltou um qualquer pormenor que me permitisse adjetivar o conjunto de sublime. Por gula, ataquei uma encharcada de pinhões, boníssima no que toca ao sabor e certeira na consistência. Cinco estrelas para as iguarias do Arcoense. Encorpado e com final persistente, o vinho tinto que bebi caiu‑me bem. Um Quinta do Estanho, colheita de 2019. Apreciei o serviço, entregue a uma senhora que soube ser simpática e solícita sem lançar mão de impertinências e de estreitezas deslocadas.

            Tenho por hábito ouvir as conversas dos outros, saí dali desiludido: na mesa vizinha, só percebi palavreado bobo a propósito dos horários das transmissões televisivas do futebol. Encheram‑me os olhos mulheres elegantes, entristeceu‑me ver um quidam que, em vez de se render à manifesta vontade de conversar da bela mestiça brasileira que o acompanhava, concentrava‑se no ecrã do seu telefone inteligente.

            Ainda em Braga, nota alta para O Filho da Mãe, cuja cozinha de fusão revela influência da América do Sul. Comecei com pão de fermentação lenta e húmus de grão‑de‑bico com tomate seco, alcaparra e piripíri. E prossegui com sápido entrecosto de novilho guarnecido por arroz de pinhões, farofa e chimichurri. Pela sobremesa, respondeu uma panacota servida com calda de lima e pistácios. Entre os que almoçavam neste restaurante moderno e bem alfaiado, casais estrangeiros, um par de tech bros e um homem que acertou na combinação de fato com sapatilhas.

            No fim do rol, o primus inter pares. Chegámos a Moreira de Cónegos antes da hora da nossa reserva de mesa no São Gião. Demos uma volta numa zona de edifícios fabris, vimos o estádio do Moreirense e espreitámos as futuras instalações desportivas do clube. A pletora de imóveis dedicados à indústria e aos negócios fez‑me pensar na importância do setor privado enquanto motor da economia, da criação de riqueza e de emprego. Desde que ele respeite o assalariado, as leis laborais e fiscais, sinto admiração pelo empresário, pelo seu espírito de risco e arrojo criador.

            O São Gião exala conforto burguês. Naquele domingo soalheiro, a clientela compunha‑se sobretudo de famílias, três gerações ali presentes para almoço. Pressenti gente respeitável, vi um ou outro tique patriarcal e jovens a quem, no que toca a gadgets e maneiras, tudo era concedido. O cardápio denota apuro, seleção e respeito pela cozinha tradicional portuguesa. Menciono o bacalhau à Gomes de Sá, os filetes de pescada com salada russa, o colarinho de pescada à São Gião, o cabrito assado, as canilhas com leite‑creme e aquilo que eu e a Jūratė escolhemos, a saber, rins de cabrito grelhados (entrada), açorda de perdiz com espargos, pastéis de capão e perdiz com risoto de trufa negra e também pudim Abade de Priscos. Em termos de qualidade dos ingredientes e de paladar, tudo era um mimo digno de banquete dos deuses. Quanto à apresentação, realço a açorda, servida dentro de um grande pão tostado. Que mais posso dizer? Apenas que não efabulo e que mesmo hoje sinto o entusiasmo que me dominava quando nos retirámos do São Gião.

            Em Braga, a pastelaria Frigideiras do Cantinho vela por tradições gastronómicas de coturno. Aí manducámos frigideiras — folhados redondos com recheio de carne de vaca picada —, sameirinhos — barquitos de massa estaladiça com doce de ovos e amêndoa no interior — e tíbias — a sua forma lembra a do osso da perna, são feitas de massa leve e polvilhada com açúcar e estão atochadas de creme. Nessa casa que estadeia tradição deparámos com personagens do livro do destino brácaro: nacionais brasileiros (por toda a parte se ouve o seu português com canela e açúcar) e estudantes estrangeiros, que chegam à cidade por chamamento de uma academia aberta ao mundo.

            No centro de Braga, a Jūratė farejou uma loja de venda dos perfumes e dos outros artigos de uma marca que não conhecíamos, a Yntenzo. O respetivo sortido é ótimo, o local é airoso e a jovem que nos aviou mostrou saber e competência. A marca é lusa, os produtos são made in Portugal e honram quem os faz. Lastimo não ter sido eleito um vocábulo da língua portuguesa para os identificar, Yntenzo soa‑me mal.

            Por ter adoecido no final da estada em Braga, deixei para outras calendas a visita às sex shops locais. Há quem aspire à presidência da República, ao estrelato em Hollywood ou no Real Madrid. Eu esforço‑me por ser amante competente. Faço o que posso para alcançar esse desiderato, sou freguês de sex shops. Demais, um dos critérios que uso para medir o grau de progresso e de medrança das mentalidades de uma terra é a existência de lojas devotadas ao sexo e ao erotismo. Parece que a cidade dos arcebispos não desilude: havia procurado na internet e tinha encontrado algumas. Fica para a próxima vez.

 

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Paulo Pego
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