DA TOURADA



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No seu livro Em Hespanha, scenas de viagem, aparecido em 1865, Júlio César Machado relata alguns episódios de um passeio a Madrid, não faltando a ida à tourada.

Não se falava ainda, por esta altura, da crueldade em que consiste a tortura e a morte do touro, ou pelo menos ainda não se falava de forma generalizada. O autor descreve de modo realista e cru o entusiasmo das massas, mas não deixa, por um ou outro pormenor, de revelar o que ali está presente de retrógrado e desumano, ainda que não o manifeste desta maneira.

Em certas passagens sentimo-nos a recuar à mitologia grega:

«todos os olhares estão fixos; palpitam todos os corações; á idea de que vae correr o sangue do Minotauro, cada espectador sente-se pagão, retrocede três mil anos, e abrasa-se na alegria selvagem de entrar por uma hora na sua cova de Centauro!...»

Segue-se a descrição do bailado macabro do matador e do touro, mas um pormenor há que muda tudo, que desfaz o que de conhecido e estereotipado poderíamos encontrar nesta descrição, o sorriso do matador. Estamos na cruel Roma Imperial:

«Tudo é ansiedade na praça; ninguem falla, ninguem fuma, ninguem respira. O Cuchares faz alguns passes de muleta, depois, n’um momento favoravel, sorri ao boi, enterra-lhe a espada no coração, e vê-o cair em seguida.»

Tenho lido muitos e bons textos contra as touradas e a morte dos toiros, mas nunca encontrei, e ainda por cima num texto que não pretende explicitamente fazê-lo, tão forte denúncia.

A concluir, umas páginas à frente, sem que tal seja dito, a expressão indicia uma oculta indignação, uma não assumida tristeza, uma não reconhecida compaixão. No século XIX:

«Às sete horas, o ultimo toiro fatigado saiu da arena, as mulas vieram retirar os cadáveres, e o circo despediu a turba. Apagaram-se da fantasia ardente todas as rubras imagens nascidas d’aquelle vapor de suor e sangue que alli se respira; e descendo alegremente a rua de Alcalá, o olhar fatigado dos horrores da festa retemperava-se contemplando nas janelas a formosura doce e insinuante das pallidas hespanholas!...».

Um militante anti touradas não diria melhor. Os contrastes da descrição obtêm efeito mais chocante do que qualquer manifesto conseguiria. A ruptura ali está, subtil, ou nem por isso, por vezes crua, a dar espaço para o futuro.

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Risoleta C. Pinto Pedro
Author: Risoleta C. Pinto PedroEmail: This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.
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