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Este é o tempo de viajar e de literatura de viagens. Este ano coube a Madrid ser um dos pontos de interesse, e antecipei a viagem com a leitura do livro de Júlio César Machado, “EM HESPANHA, Scenas de viagem”, de 1862.
Madrid, que por ele vim a saber ser a capital mais alta da Europa, e onde, quando o autor lá esteve, soprava um ar “frio agudo e seco”; não foi o caso neste mês de Julho de calor intenso, contudo amenizado pelas omnipresentes árvores com suas sombras, nas ruas, jardins e parques, e pela aragem, por vezes forte, em forma de bênção.
Ficou o nosso amigo, Júlio César Machado, alojado na fonda de los Embajadores, onde não encontrou nem meio embaixador, mas “um numero infinito de criados” e preços muito altos. Comenta, a propósito, com muita graça: “O porte-monnaie em quanto se pára em Hespanha conserva-se no estado de extasis – de bocca aberta: não há tempo para o fechar.”
Relativamente ao hotel, não foi a minha experiência: preço moderado por um quarto simples e limpo, com casa de banho honesta e funcional, e o dono foi a única pessoa que vi para além da senhora da limpeza. Mas a varanda, a varanda! Que luxo! Uma vista directa para as árvores que em frente, à esquerda e à direita ornam a rua do “Bairro de las Letras”, pois por ali andaram e viveram muitos nomes da literatura espanhola. Só para exemplificar, do lado esquerdo da janela de onde se observa a rua, uma transversal: a rua Lope de Veja com a casa onde ele viveu e morreu, e do outra lado, a rua com a casa onde viveu e morreu Miguel de Cervantes. Melhor companhia era difícil. Não era o hotel dos Embaixadores, mas distintos embaixadores do mais alto da cultura espanhola tive como vizinhos. Também a experiência do banho, em comparação com a de César Machado, correu bem, e sem história. Normalmente, quando não há história, é bom sinal. Foi o caso. O meu caso. Não o de Júlio César Machado, que quando informou o criado que queria tomar um banho, este passou a informação ao administrador, o qual quis orientá-lo para “um dos melhores estabelecimentos”. Quando soube que não se tratava disso, mas um banho “no meu quarto, serenamente, a cantar uma sigadillai”, comentou: “- Que lastima!”. Aprofundando: “- Não deixe de ir tomar banho fora, Caballero. Arrepender-se-ia depois até ao fim da sua vida, e os anos que Deus haja de conceder-lhe não seriam bastantes para chorar amargamente essa falta! Uma manhã no palacio de christal em Londres, uma noite nos boulevards de Paris, uma hora no banho em Madrid; são os melhores gosos do viajante moderno. Não vê que não temos rio, não vê que o banho de mar para nós é um sonho, uma chimera, um mytho, e que precisámos fazer esquecer pelo luxo oriental, pela elegância magica dos nossos estabelecimentos os prazeres da vida das praias que estamos condemnados a não conhecer, diligenciando a poder de esforços que uma tina substitua o mar!”
Este “estylo de uma modéstia elegante” e “doce melancolia” levou o autor a perguntar ao administrador se não era espanhol, pelo “não disfarce” da ausência de banhos de mar, ao que este respondeu que sim, era espanhol, mas poeta!
Não sei se era poeta o dono do lugar onde fiquei, mas a verdade é que a primeira coisa que fez ao entrar no quarto, foi mostrar as duas poéticas ruas vizinhas. Também começo a compreender por que razão algumas residenciais apresentam à entrada a informação de possuírem banho nos quartos, para além de que as muitas fontes que ornam e refrescam cada largo, praça ou jardim, ostensivamente disfarçam a falta do rio e a distância do mar.
Quanto a Júlio César machado, a história acabou bem, “banhei-me em casa”, disse, referindo-se ao quarto, apesar do “grande escândalo do administrador” por se ter privado de “um perfumado banho oriental , uma tina de mármore, um quarto cheio de espelhos, de quadros, de reposteiros […] onde […] o banhista ao pagar os seus oito reales exclamava em delicia, olhando para o banho:
Lo que me cuestas me pagas”.