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Diversas são as formas de apreciar a arte num museu. Há quem o faça mudamente, contemplativamente, quem expresse o que vê, o que sente, quem recorra a um guia, quem tente apreciar com a língua (como vi, uma vez, a uma criança pequenina a quem tinha sido dito que não podia tocar nas obras com as mãos), quem só possa apreciar, sobretudo a escultura, com as mãos, como é o caso dos invisuais, que têm uma autorização especial para o fazer, quem tente destruir, como tem sido caso recente de militantes da estupidez, há quem escreva poesia, crónica, narrativa. O escritor do século XIX, Júlio César Machado, mostra-se rendido à grandiosidade da criação que no Museu do Prado quase o esmaga de encantamento.
Depois de ter falado de Velasquez, de Murillo e de Ribera, mostrando conhecimento da História da Arte, continua olhando na globalidade as peças como qualquer um de nós, como qualquer criança poderia fazê-lo, usando apenas os sentidos da observação:
«[…] historia visivel e palpitante, que é a de que eu gosto, historia de uma depressão na testa, de uma curva de nariz, de certo olhar, de um geito que se dá ao corpo, de um gesto intimo e familiar que diz muito mais a respeito de um rei ou de um homem celebre, do que quantas memorias, chronicas, historias, jornaes,[…] falta-lhe a vida, o sangue, a côr, a attitude, o som da voz, o todo da época ou o do personagem, falta-lhe o melhor, falta-lhe tudo! que o mais, que o saber se o caso se passou em mil quinhentos e vinte e três ou se em mil quinhentos e vinte e quatro, pôde aproveitar a alguns… mas são poucos!»
É um olhar descondicionado e puro:
«e aquela maravilha de galanteria e de gosto, de Paulo Veronese, que tem por titulo Venus e Adonis, feito para rivalizar com o quadro do mesmo assumpto pelo Ticiano e vencendo no confronto: é Adonis a dormir e a deusa a olhal-o com ternura, mais adiante um pouco, o Amor afastando um cão, que impaciente de partir para a caça, quer acordar o dono; simplesmente isto, mas n’isto apenas que mundo de talento, que naturalidade, que viveza, que côr, que encanto!...»
O que é engraçado é que a descrição não corresponda totalmente à realidade dos quadros, pois no cão de Varonese nada há que revele impaciência, pelo contrário, está placidamente deitado, e eu diria, a dormir. Para mim o Amor está, pelo contrário, com o pé, a tentar acordar o cão adormecido, quem sabe se para brincar. Nada que uma criança não fizesse…
Um dos cães de Ticiano sim, pode revelar alguma impaciência, pelo que Adonis o segura pela corda.
Um dos mais eloquentes exemplos de como os museus são coisa viva à espera do nosso olhar e sensibilidade de pessoas vivas.