Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!
Chegou recentemente, pelo correio, um objecto precioso. A encomenda vinha protegida por uma caixa de cartão forrada com um lindo papel colorido, dentro de um saco da Livraria Universitas, de Badajoz. O saco é já antigo, a Livraria Universitas já não existe, foi comprada pela Casa del Libro. Perdeu algum brilho, alguma diversidade, alguma profundidade, algum arrojo. Mas continua a ser uma boa livraria, embora com menos capacidade para deslumbrar, surpreender, estender um livro há muito procurado e já dado como perdido. O conteúdo da encomenda não era para mim, mas ao saco guardei-o como objecto em extinção, como se me fosse destinado.
As livrarias têm sido causa de algumas das minhas maiores alegrias e dos maiores descontentamentos. Em Portugal, não só em Lisboa, a maior parte das mais interessantes, antigas e tradicionais livrarias ou fecharam por alguma razão, ou foram compradas. Alguns dos prédios foram vendidos, as rendas foram reactualizadas, e não conseguiram defender-se. Possivelmente, uma ou outra virá a ser uma loja de pastéis de nata, ou de conservas, ou de outra coisa qualquer a simular o típico. Pelos vistos o mesmo, no caso, a venda, sucedeu em Badajoz. Ainda assim é uma sorte continuar a ser livraria.
O grupo Casa del Libro é potentado a que é difícil fazer frente. Admito que quer em Barcelona, quer em Madrid, encontrei coisas que procurava e outras de que não suspeitava e lá me perdi. Em Badajoz já não tanto. Gostava de ter conhecido a Universitas, onde António Telmo também tantas vezes se perdeu e se encontrou, e onde, imagino, o meu avô terá comprado alguns dos livros com que, depois da sua partida, a minha tia me presenteou e cujas lombadas me recordo de ter visto em pequena.
Em Madrid, Barcelona e Paris, cidades onde estive mais recentemente, encantaram-me, acima de tudo, algumas livrarias especializadas onde é mais fácil encontrar, se não quase tudo, pelo menos muita coisa. Uma espécie de Paraíso. É claro que convém fazer algumas economias prévias, e mesmo assim… Recordo uma de música, onde é possível encontrar livros sobre compositores, história da música, instrumentos, e partituras, muitas partituras; outra de filosofia; uma sobre esoterismo, religião e simbolismo; a livraria anarquista; uma outra judaica onde me perdi e acabei por voltar no dia seguinte, mas era sábado, dia de descanso para os judeus, só que, pelos vistos, adoptaram também o domingo como um segundo sabat e acabei por regressar a Portugal sem conseguir lá voltar. Da próxima será. De segunda a sexta, pois agora já sei do duplo sabat.
Não posso deixar de mencionar uma livraria, em Madrid, Paisajes, onde encontrei secções de livros na língua original. Se isso é comum em muitas lojas, mesmo cá, como Fnac’s (essa máquina de fechar livrarias e lojas de discos), Bertrand’s e outras, em português, inglês. italiano, já livros em hebraico, em árabe ou em cirílico não são coisa que se consiga encontrar. Mas em Paisajes existem, não um nem dois livros, mas prateleiras cheias deles. Até livros portugueses lá havia, o que também não é a coisa mais comum no estrangeiro, uma espécie de cirílico... Esta livraria é que é uma casa del libro, verdadeira Universitas avant la lettre, a consolar da falta da velha Universitas de Badajoz, que gosto de imaginar como seria, e como poderia ter sido um encontro entre António Telmo e o meu avô no meio de um corredor, ambos suficientemente distraídos ou concentrados no que lhes interessava mais, para se cruzarem e não se verem, ou vendo-se, não se reconhecerem, porque não existia ainda o elo de ligação que seria eu, para além do comum gosto pelos livros, ou já existindo eu, não existia para um deles, nem ele para mim, embora os seus livros e o seu saber, sem eu o saber, já estivessem no meu coração.