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Andava tomado de preconceitos contra o Algarve. Imaginava‑o desmesuradamente turistificado, com pouco rasto de portugalidade e incapaz de me oferecer alojamento confortável por preço decente. Repugnava‑me a existência, na região, de um número significativo de campos de golfe, que responsabilizava, em parte, pela falta de água para a rega.
Ao sair de Tramagal — rumo a Rogil (Aljezur), onde deixaria a Jūratė —, tinha firme intenção de passar uns dias em Beja, não queria permanecer no Algarve. Sucede que chegámos a Aljezur de noite e cansados, eu já não tinha forças para horas de condução adicionais. Consegui aposento num albergue, o Vicentina Hotel, que era asseado, reunia as comodidades de que precisava, propunha preço justo e empregava pessoal cortês. E aí, num quarto estandardizado, comecei a ganhar afeição à ideia de uma estada no Algarve, a somar argumentos que me levassem a ficar. Estribei‑me em previsões de sol e de temperaturas amenas, em vistas para o mar, em flores e frutos vernais, no património cultural algarvio e nas igrejas que aguardavam visita. Acrescia que, em maio, decerto andaria longe das moles próprias de julho e agosto.
Acabei por feriar no Algarve, primeiro sozinho, depois com a Jūratė. Valeu a pena, gostámos muito do giro.
Moderei o meu juízo acerca dos terrenos para golfe. O Algarve carece dos golfistas para não cair no turismo sazonal. No que toca à água, soube por um amigo, avisado e conhecedor da região, que o desperdício provém, sobretudo, de ruturas nas condutas e do tempo que câmaras municipais e juntas de freguesia levam a solucionar o caso. Ao invés, se num campo de golfe houver uma fuga de água, o problema é imediatamente resolvido, mesmo que ocorra durante a madrugada.
E, bem entendido, o Algarve precisa dos turistas. Aliás, para a aposta em bons restaurantes, com gastronomia esmerada, concorre justamente a demanda por parte dos visitantes estrangeiros.
Lamento que a habitação esteja a preços incomportáveis para o bolso dos algarvios, que sejam os estrangeiros a comprar casas. A propriedade tem uma função social, o mercado imobiliário, propício à ganância e ao martelo na cabeça dos desfavorecidos, carece de regulação eficaz. Nunca pensei dizer isto: sufrago as propostas que, em setembro de 2023, Mariana Mortágua apresentou, a saber, fixação de tetos para as rendas, limitação do aumento das taxas de juro do crédito à habitação e proibição de venda de casas a não residentes, com ressalva aplicável aos emigrantes portugueses.
A verdade é esta: cada vez que vou a Portugal, aí percebo a situação social dramática (salários miseráveis, precariedade, problema da habitação) e vejo o sentido de comunidade a deslassar, ganho mais uma costela de esquerda.