
Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!
Portadora de uma miopia congénita, e embora limitada visualmente no seu dia-a-dia, nunca desistiu do seu sonho de escrever um livro.
Falamos de Amália Mendonça, 48 anos, natural de uma aldeia do norte de Portugal chamada Passos, concelho de Mirandela, distrito de Bragança, emigrada em Genebra há cerca de trinta anos. A sua juventude foi passada com algumas dificuldades próprias da época, tendo o seu problema de miopia vindo progressivamente a acentuar-se desde então.
Foi após o nascimento do seu filho André (agora com 22 anos) que a miopia se agravou, tendo perdido neste período, e com apenas 24 anos, cerca de 10% da visão. Pouco tempo depois foi forçada a deixar o seu emprego, pois nessa altura, com 30% de visão a menos, era-lhe já extremamente difícil suportar o uso de lentes de contacto ou mesmo de óculos diáriamente. Para além da falta de visão, fortes dores nos olhos e uma inflamação persistente tornavam quase impossível o bom desempenho das suas funções.
Em 1999 foi sujeita a um implante intraocular num dos olhos, e em 2000 no outro, intervenões levada a cabo no hospital Jules-Gonin em Lausanne, ao que se seguiram várias outras operações as quais lhe permitiram recuperar o trabalho a 50%. Entretanto, e porque o seu problema de visão continuava a agravar-se, decidiu procurar ajuda entre os melhores médicos de vários países, desde Portugal, Espanha, França até à Suíça, mas todos estes profissionais de saúde lhe disseram que não existia cura para a sua doença, tratando-se de um caso único em toda a Suíça e muito raro.
Mais tarde foi forçada a deixar por completo o seu emprego. Nesta altura, Amália não pode continuar a estudar nem a fazer qualquer formação, e tem grandes dificuldades em realizar as tarefas básicas do quotidiano como por exemplo cozinhar, telefonar e até mesmo fazer as compras, pois não consegue visualizar as cores.
Felizmente, durante estes momentos difíceis ao longo dos quais foi sempre registando por escrito as sua memórias, pôde contar com a ajuda incondicional de seu marido José Braz e de toda a sua família e amigos.
Assim, em finais de 2015 apresentou o seu primeiro livro, escrito em francês, intitulado “Une malvoyante qui a tout vu” (Uma invisual que já viu tudo).
Encontramos a Amália em Genebra e falamos com ela.
Luso: Quando é que começou essa paixão pela escrita ?
Amália Mendonça (AM): Quase arrisco a dizer desde que aprendi a escrever ! Mas aos 12 anos senti que a escrita faria parte da minha vida; e já nessa altura passava para o papel as minhas interrogações e os meus sentimentos. Na linguagem de uma menina de 12 anos, claro. Guardo ainda o caderno onde escrevi os primeiros versos.
Luso: Enquanto invisual, quais são as principais dificuldades que encontra, e de onde vem essa força para continuar a escrever ?
Amália Mendonça (AM): O meu dia a dia é muito complicado porque até para fazer as tarefas mais básicas tenho dificuldade. Uns dias mais do que outros ! As compras, a cozinha, algumas tarefas de casa tornam-se uma enorme carga física e emocional. O facto de não ver com precisão e de não reconhecer as cores por exemplo, é muito cansativo... Naturalmente não posso escrever nem ler sem uma enorme dificuldade, o que me desgosta imenso. No entanto, creio que é nessas dificuldades que encontro matéria para a minha escrita, e a força que me leva a querer ultrapassá-las. O acto de escrever faz-me sair da minha angústia e transcender o sofrimento.
Luso: O seu primeiro livro foi escrito em francês, e foi lançado em 2015 e tem por título “Une malvoyante qui a tout vu” (ou seja, “Uma invisual que já viu tudo”). De que fala esse livro ?
Amália Mendonça (AM): Este livro tem para mim o valor de um testamento ou de uma terapia. Ao princípio escrevi para contar ao meu filho aquilo que foi a minha vida. Para que ele mais tarde pudesse entender o que eu sou e porque o sou: uma infância menos privilegiada que a sua, um problema de saúde que desde tão novinha tinha ocupado tanto espaço na minha existência, os momentos em que enquanto mulher e mãe me deixei abalar, derrubar por vezes... mas que me ajudaram também a ser mais forte, mais humana e mais compassiva. Para lhe transmitir a força que fui tirando das dificuldades, desejando ser para ele um exemplo de coragem.
No fundo, este livro é a história da minha vida, das minhas lutas enquanto ser humano mas também enquanto portadora de uma doença que me vai incapacitando fisicamente. É por vezes nostálgico, mas acho que nunca é triste porque em cada página tentei deixar uma marca de esperança.
Luso: Entretanto foi escrevendo textos e poemas para coletâneas de vários escritores, e em 2016 lança “Filosofando”. Um livro muito diferente do primeiro...
Amália Mendonça (AM): Sim, este é um livro muito diferente ! È uma “colectânea” de poemas e pensamentos. Tentei deixar nele, através da poesia, o meu modo de ver o mundo, as minhas reflexões sobre a sociedade onde estou inserida. Alguns desabafos e inquietações... tal como o nome parece indicar, não é ?
Luso: E projetos para o futuro ?
Amália Mendonça (AM): Neste momento estou a tentar encontrar uma editora para estes dois livros, dos quais felizmente já me sobram poucos exemplares. Naturalmente a edição por conta do autor - que é o meu caso – torna-se extremamente dispendiosa e não posso correr o risco de publicar um grande número de exemplares. Mas tenho muita esperança de que em breve chegarão mais livros ! No entanto o grande desafio neste momento é a publicação do meu livro “Une malvoyante qui a tout vu” em português. A tradução está pronta, a edição também, e os meus amigos em Portugal estão ansiosos à espera da apresentação.
Luso: Para terminar (um pouco de publicidade não faz mal a ninguém) onde podemos encontrar os livros da Amália ? Se alguém quiser comprar, ou encomendar, pode dar-nos um endereço e-mail ou um no. de telefone ?
Amália Mendonça (AM): Podem contactar-me através do meu endereço e-mail: This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it. e responderei com imenso prazer aos pedidos que receber.
A Amália Mendonça é membro da ALALS – Academia de Letras e Artes Luso-Suíça. Mas é sobretudo um modelo e um exemplo de coragem e de esperança para todos aqueles que a conhecem (e não só).