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Vitor Fernandes (25), natural de São João da Madeira, desde cedo desenvolveu uma paixão pela música e pelo clarinete, tendo iniciado os estudos musicais com 6 anos na banda de música da sua cidade. O jovem artista já venceu vários prémios ao longo da sua carreira e, devido a uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, veio para a Suíça há três anos e, desde então continua a encantar a Suíça e o mundo com o seu som ímpar, de brilho excpecional nos registos agudos e aveludado e quente nos registos graves do seu clarinete.
A Luso.eu foi conhecer um pouco melhor este jovem português de sucesso mundial e tentar perceber um pouco a sua paixão pela música e o que isso alterou a sua vida.
Carla Pimenta (CP) / Luso.eu: Fale-nos um pouco sobre si. Com 25 anos, de São João da Madeira, como chegou até aqui um músico tão jovem e já tão premiado e conceituado?
Vítor Fernandes (VF): Antes de mais, agradeço desde já o convite para responder a esta entrevista! Iniciei os meus estudos musicais com 6 anos em São João da Madeira, na banda de música da cidade. Desde muito cedo desenvolvi uma paixão pela música e pelo clarinete em particular, pelo que decidi mais tarde prosseguir os meus estudos na Academia de Música de São João da Madeira. Foi aí que tomei a decisão de tentar fazer da música a minha vida e o meu trabalho, quando o meu professor da altura, o professor Alberto Vieira, me encorajou a seguir os meus estudos numa escola especializada. Desde aí continuei os meus estudos na JOBRA, na Branca, na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo no Porto até chegar a Genebra, onde já terminei um mestrado.
CP/Luso.eu: Como começou a paixão pela música? Eu sei que começou a ter aulas de música aos 6 anos, escolheu logo o clarinete? Porquê este instrumento?
VF: Na altura não haviam tantas escolhas quanto agora. Comecei pelo trompete, mas não me adaptei ao instrumento e então quando me fizeram experimentar o clarinete senti-me mais confortável e, visto que não havia oportunidade de experimentar todos os instrumentos de sopro, decidi ficar-me pelo clarinete. Felizmente!
CP/Luso.eu: Como surgiu a oportunidade de vir para Genebra? Foi por causa de uma bolsa do Conservatório? Com que idade?
VF: Mudei-me para Genebra com 22 anos, quando tive a oportunidade de vir para cá fazer o meu mestrado. Felizmente foi-me atribuída a bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, que me permitiu vir para cá estudar nos primeiros dois anos. De outra forma não teria sido possível.
CP/Luso.eu: Quantos e quais os prémios que ganhou até agora?
VF: Os dois prémios mais importantes que obtive foram no IV Concurso de Ghent (1º prémio) e no 73º Concurso de Genebra (2º prémio). Mas permita-me acrescentar que estes prémios, mais do que um reconhecimento do meu trabalho, abriram-me portas para diversas oportunidades de concertos no estrangeiro. Para mim esse é o grande objectivo dos concursos. Mais que pelo prémio monetário, ou pelo reconhecimento (relativamente temporário) do nosso trabalho, os concursos devem ser vistos como oportunidades de desenvolvimento de carreira e de competências artísticas, quer pelas portas que se abrem ao ganhar um prémio, quer pela partilha musical com os diversos concorrentes, júri, acompanhadores, etc.
CP/Luso.eu: Acha que se tivesse ficado só por Portugal teria tido sucesso na mesma, ou uma carreira na música em Portugal teria sido mais dificil atingir os sucessos que tem vindo a concretizar?
VF: Nunca poderei dizer com certeza. O que é certo é que a minha ida para o estrangeiro foi benéfica numa série de aspetos ao nível profissional. Mas claro que nem tudo é bom, há muito que fica para trás em Portugal que,se eu tivesse cá no estrangeiro, me ajudaria a balançar a minha vida de uma forma mais saudável. No entanto, acredito que ainda há muito a ser feito em Portugal em relação à valorização dos artistas nacionais.
CP/Luso.eu: Eu não consegui perceber bem se vive na Suíça, fiquei com a ideia que vive em Genebra. Estou correcta? Ou alguém que está constantemente em viajem (Hong Kong, Singapura, França, Holanda, Polónia, etc) é um cidadão do mundo e não pertence a nenhum país?
VF: Neste momento não vivo em Genebra a tempo inteiro. Passo cá algum tempo entre viagens, mas não tenho propriamente um sítio ao qual possa chamar de casa, a não ser, claro, a minha família em Portugal.
CP/Luso.eu: O que sente como português no meio dos seus colegas? Tem mais portugueses consigo nas orquestras? Ou tem sido “filho único”? Quais são as maiores barreiras em cruzar-se com tanta cultura diferente?
VF: Honestamente não encontro barreiras culturais. É certo que encontro povos diferentes, com mentalidades e hábitos distintos, mas tenho sido sempre bem acolhido por onde passo. Há gente boa em todo o lado, neste caso o ser Português, Espanhol, Alemão...acaba por ser irrelevante. Somos todos humanos, somos todos músicos, tentamos todos remar para o mesmo lado.
CP/Luso.eu: O meio que trabalha, é um meio muito competitivo? Ou só mesmo a paixão pela música é que vos move e os concursos são meros bónus?
VF: O meio é competitivo. Depois existe a boa competição e a má competição. A boa competição é saudável, onde tentamos explorar os nossos próprios limites para que possamos evoluir, mas onde também devemos contribuir para que aqueles que nos rodeiam possam evoluir. A evolução própria em detrimento da dos nossos colegas músicos é um exemplo de má competição. Juntos seremos sempre mais fortes e alcancaremos objectivos de maior relevância. Eu creio que há espaço no mercado de trabalho para todos aqueles que são apaixonados pela música, mas precisamos de deixar o "ego do artista" de parte para podermos ver isso. Isto é, claro, a minha perspectiva pessoal e respeito todos aqueles que possam ter uma perspectiva diferente.
CP/Luso.eu: O que sente mais falta quando não está em Portugal? Se pudesse levar consigo na bagagem quando viaja, levaria mais coisas de Portugal ou da Suíça consigo? Dentro dessas escolhas, o que realça como sendo mais fundamental ir na sua bagagem tanto dum país como doutro?
VF: Sinto falta da família, é o meu maior apoio! Se pudesse, gostava de os levar sempre comigo para o todo o lado. Para mim isto é o fundamental.
CP/Luso.eu: Sente-se sempre português? Ou a Suíça o tem cativado? Fica dificil perceber bem qual a sua essência cultural no meio de tantos sítios que visita e pessoas que conhece?
VF: Sinto-me um Português consciente daquilo que se passa no mundo. Felizmente tive a oportunidade de visitar diversos países com backgrounds diferentes que me permitiram olhar para Portugal, para a nossa forma de viver e para a vida em geral de uma forma diferente. Vejo tanta gente em Portugal que reclama pelas coisas mais pequenas...acho que não sabemos a sorte que temos. Não que não haja nada pelo que reclamar, muito pelo contrário, mas a gratidão é muito importante e deve ser praticada com mais vezes.
CP/Luso.eu: Qual o lugar que mais gostou de tocar? E com quem? Ou prefere tocar a solo?
VF: Difícil de escolher! Gosto muito de fazer recitais e de partilhar ideias em masterclasses. Gosto muito da Ásia no geral, mas também passei bons momentos na Polónia, na Holanda, na Alemanha...as pessoas fazem o lugar.
CP/Luso.eu: Como o cliché habitual, nós portugueses somos um povo pequeno e muita gente não nos dá o devido valor, inclusive por vezes os próprios portugueses. Mas quando actua no meio de tantos países e tanta gente, sente que as pessoas ficam surpreendidas por ser português? Como se pensassem que não seria possível um português chegar onde você chegou e ser tão bom no que faz? Ou isso já são histórias passadas?
VF: Não sinto isso. Curiosamente, o único sítio onde ouvi esse tipo de questões foi precisamente em Portugal. Acredito que este "preconceito" exista e que hajam pessoas que sofreram dele, mas sinceramente acho que temos um complexo de inferioridade muito grande, que tentamos disfarçar ao dizer que somos um povo "injustiçado" e que temos de fazer o dobro para sermos reconhecidos da mesma forma que os outros lá fora. Geralmente somos nós próprios os criadores destas barreiras. Pela minha experiência, nunca tive problemas por ser Português, nem benefícios. Simplesmente sou Português, não sou nem mais nem menos do que os outros e tenho de trabalhar como toda a gente para ter sucesso. Acredito que ideia de que o Português precisa de trabalhar o dobro para alcançar o mesmo possa ter sido, de fato, verdade há algumas décadas, mas atualmente não concordo. Acho, com toda a sinceridade, que é uma forma de disfarçar o nosso comodismo. Não nos podemos "achar no direito".
CP/Luso.eu: Para terminar o que gostaria de deixar como mensagem para quem o tem acompanhado e seguido o sei trabalho? E quais os seus planos no futuro? A nível pessoal e profissional.
VF: Deixo o meu profundo agradecimento a todos aqueles que diariamente me apoiam, que me ajudam a lutar e a progredir, desde família, amigos, professores, colegas. Continuarei a servir a música de uma forma honesta, consciente e informada. Profissionalmente não sei o que o futuro me reserva, tenho alguns planos em mente que a seu tempo irei poder revelar. O importante é sonhar e continuar a tentar evoluir enquanto ser humano. Obrigado do fundo do coração.
CP/Luso.eu: Pretende regressar a Portugal de vez ?
VF: Não sei o dia de amanhã, mas se a oportunidade certa se presentear, quem sabe!