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Joaquim saiu de casa da tia Joana e fez a viagem até casa a pé. Aliás, na aldeia não usava carro. Lembrava-se do tempo em que as ruas eram percorridas pelos simpáticos burros. Quando era jovem, na aldeia só havia dois carros. Uma 4L que era pertença do Carlos, padeiro, e Toyota do filho do António, ourives.
Por ele passou um automóvel guiado por um desencabrestado – o que o levou a pensar que as máquinas são os brinquedos dos adultos. E a brincar com a situação, falando para o vento ainda disse – E estes vírus quem é que os agarra? Em Portugal a sinistralidade rodoviária é um flagelo.
O seu objectivo era uma visita ao Albino, presidente da Junta de Freguesia. Por isso, disse de si para si que havia de falar ao Albino da necessidade de se colocarem umas lombas que, pelo menos, dissuadissem um pouco a velocidade na aldeia. Joaquim, o Albino e Herberto na sua mocidade foram os impulsionadores do Centro Cultural e Recreativo. Há em Portugal muitas estruturas destas. Foram erguidas depois do 25 de Abril por jovens generosos que deram o seu tempo e vontade em benefício do que designavam os ventos da “Cultura”. Nestes Centros aconteceram debates políticos encarniçados embalados pelos vendavais da nova sociedade que se almejava, quero dizer, desejava apaixonadamente como só a juventude pode fazê-lo. Nestes Centros fazia-se teatro e organizavam-se festivais de música. O poeta Fernando declamou os seus versos rimados. Vinha gente de fora mostrar outras coisas. O que mais impressionou a aldeia foi um espectáculo de marionetas vindas do Alentejo – os Bonecos de Santo Aleixo. Durante muito tempo se falou e riu por causa destes Bonecos e dos bonecreiros.
E as raparigas começaram finalmente a sair do esconderijo e a assumir a sexualidade, o que escandalizava os mais velhos, mas elas diziam – “Somos livres, somos livres, como as gaivotas”.
Como vivem elas hoje com casamentos que se arrastam sem magia nem mistério? Joaquim não queria saber, sobre o assunto nada perguntava, mas ia ouvindo. As ideias estavam à frente da realidade. Quando hoje falam nisso riem-se de tanta cegueira, mas não negam que foi um tempo mágico quando tudo era possível – o sonho a comandar a vida. Festejavam muito o fim da guerra no dito Ultramar, uma guerra, como acontece com todas as guerras, onde só morrem os comandados. A aldeia contava com dois jovens defuntos, cujos corpos nunca regressaram, e um estropiado, um outro sofria da cabeça, dizia-se. Ainda não se conhecia o conceito de stress pós-trauma, hoje tão tratado pelas mais diversas situações.
Albino também saiu da aldeia e fez um curso de contabilidade, afinal continuou a desenvolver a tarefa que lhe fora destinada no Centro. Mas, ao contrário dos dois maiores amigos, regressara. Mais tarde acabou por organizar uma lista para a Junta de Freguesia e foi eleito presidente. Foi reeleito várias vezes. HD e Joaquim apoiavam-no muito, mas como estavam a viver fora ocupavam apenas lugares de vogais.
Albino era um autarca modelo. Os vários partidos políticos disputavam-no, mas ele sempre recusou a partidocracia, que é um dos venenos da democracia. Por isso, candidatava-se como independente e ganhava sempre. Sentia-se nele o prazer que alguém sente quando trabalha pelo bem comum, e vê as coisas a melhorarem. As más-línguas – é verdade que existem em todo o lado (por inveja?) algumas vezes o deixaram amargurado e à beira da desistência, mas os amigos e os filhos, que nele tinham orgulho, apoiavam-no nas horas amargas, também a Ilda, sua segunda esposa, para isso contribuía muito.
Entretanto, Joaquim chegou a casa do amigo e bateu à porta.
*O autor não adoptou o novo acordo ortográfico.