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Quando em julho passado regressámos a Portugal de férias, não pudemos deixar de participar nas numerosas ações de solidariedade que mobilizaram o país em geral (e até o mundo), e a zona centro em particular, depois dos trágicos incêndios que tinham afetado os Concelhos de Figueiró dos Vinhos, Castanheira de Pera e Pedrógão Grande.
Agora, ao ver esta foto do Presidente da República, não pude deixar de recordar o que encontrámos enquanto percorríamos, com elementos da Cruz Vermelha de Pombal, algumas das zonas mais atingidas, distribuindo água e leite; roupa e calçado; o mínimo de conforto para aconchegar o corpo, que os espíritos, esses, continuavam angustiados e aflitos. Encontrámos gente revoltada pela insuficiência dos meios utilizados; pelas respostas que se queriam urgentes e vieram demasiado tarde; pela incapacidade individual de suportar a desmesura do sofrimento visto e experimentado; pela inabilidade coletiva num combate tão desigual.
Gente que tinha conseguido ajudar um vizinho; socorrer os primeiros queimados num improvisado posto médico; acolher uma família numa cave mais segura; salvar mais de uma dezena num tanque de lavar roupa. Gente que tinha visto morrer os vizinhos, conhecidos de toda a vida, familiares e amigos.
Gente que continuava a tentar imaginar os momentos inimagináveis de dor que antecederam as suas mortes. Teriam desmaiado com o fumo? Teriam sentido o calor abrasador das chamas a queimar os pulmões? Teriam pensado no futuro que já não iriam viver? Teriam recordado os momentos felizes do passado?
Gente que tinha acabado de perder os seus parcos haveres: um pequeno quintal junto à casa; a horta semeada com esmero e cuidado; as colmeias de abelhas, ocupação de toda uma vida; a plantação de eucalipto e pinhal que um dia haveria de dar uma boa ajuda; a casa comprada no campo para a velhice idílica tanto tempo esperada. Gente determinada, persistente, lutadora, disposta a recomeçar. Gente conformada, como a D. Liberata, que poderia muito bem ser a protagonista da foto com o Presidente, que “nunca foi fidalga”, como se a tragédia, por atingir os mais frágeis e os mais vulneráveis, se tornasse menor.
Mas encontrámos sobretudo gente que já estava sozinha, isolada e esquecida, a viver mal, que os bens já tinham acabado muito antes do incêndio os levar. Gente assim, como a D. Liberata da foto, vestida de negro, coberta de rugas, curvada de canseiras e agruras.
Precisamos de combater os incêndios com eficácia; repensar as leis; reflorestar as zonas ardidas; conseguir que os sistemas de comunicação comuniquem e que os sistemas de prevenção previnam! É evidente!
E a D. Liberata que está sozinha em casa; já mal anda e não consegue subir as escadas; ardeu-lhe a horta, que ela também já não tinha forças para cultivar? Será que a sobrinha tem tempo de lhe telefonar esta semana? A carrinha da Junta de Freguesia passará por lá? O apoio da Santa Casa da Misericórdia chegará a tempo?
Luso.eu | Jornal Notícias das Comunidades