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Uma vida de trabalho árduo e desafios
O entrevistado João Pedro Valente Ernesto é um dos muitos retornados brancos que deixaram as antigas colónias portuguesas em África após a Revolução de 25 de Abril de 1974.
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25 de janeiro de 2024, por João Pires
No seu testemunho, relata a verdadeira condição dos retornados, apresentada como muito diferente da perspectiva comum: os retornados não eram privilegiados nem viviam num paraíso tropical, mas sim em condições de trabalho árduo, sem acesso a luxos e, muitas vezes vivendo em zonas pouco povoadas e remotas.
O entrevistado defende também que a maioria dos colonos brancos respeitava os povos negros e não participava da subjugação colonial, sendo antes vítimas do sistema colonialista português. No final, aponta o papel importante que os negros tiveram na sua vida e formação como pessoal. O entrevistado não concorda com a perspectiva de que os colonos brancos eram pobres e desesperados que «exportavam a pobreza» de Portugal para África e afirma que a sua viagem a África não se deveu a um desejo de escapar à pobreza, mas sim à procura de uma oportunidade de vida melhor!
P.: Qual foi a sua experiência como retornados brancos em África?
R.: Só posso falar pela minha experiência pessoal. Vim para Portugal continental aos 10 anos para estudar no colégio Salesianos, onde o meu pai também estudou. A minha mãe era modista e a minha avó trabalhava nos Laboratórios Zimaia. A minha família tinha dificuldades financeiras e o meu pai teve que trabalhar como conferente de cargas e descargas para sustentar a nossa família. Quando o General Gabriel Teixeira, que conheceu o meu pai no colégio, tornou-se Governador Geral de Moçambique, enviou uma carta de chamada para o meu pai. A família mudou-se para Moçambique em 1952 e por lá permaneceu até 1977. A minha experiência foi trabalhar duramente, sem os privilégios que muitos acreditam que os colonos portugueses gozavam. Fui educado por negros e aprendi a respeitá-los e a apreciar a liberdade individual e coletiva que tínhamos lá.
P.: Acredita que os retornados viveram um paraíso em África?
R.: Não acredito que os retornados viveram um paraíso em África. A maioria dos portugueses que foram para lá tinham dificuldades financeiras e trabalhavam arduamente. Aos nove anos, o meu pai ficou só no mundo, pelo que teve que roubar para comer, antes de ter dado entrada nos Salesianos de Lisboa, pela mão de uma tia. Os retornados eram acusados de roubar os postos de trabalho aos portugueses que nunca saíram de Portugal, mas a realidade é que a maioria dos retornados passaram por muitas dificuldades financeiras.
P.: Qual é a sua opinião sobre a acusação de que os retornados portugueses foram peões no xadrez colonial e desempenharam um papel essencial na subjugação dos povos colonizados?
R.: Eu não concordo com essa acusação. A maioria dos colonos portugueses em África respeitava os negros e queria ser respeitada por eles. A PIDE, que não tinha mãos largas em Moçambique, não conseguia impor a sua vontade sobre a maioria dos colonos portugueses. Na minha opinião, a ditadura foi responsável pela exportação da pobreza de Portugal para África.
P.: Muitos retornados ficaram desalojados e em dificuldades depois de regressar de África. Como se sentiu ao regressar a Portugal?
R.: Não nos sentimos mal ao regressar a Portugal. Ficou uma sensação de perda, mas Portugal era a nossa Pátria e tivemos que partir de África por razões de segurança. Muitos portugueses que emigraram para França, Alemanha e Brasil tiveram que fazer o mesmo. O retorno foi difícil para todos os retornados, mas a maioria tinha ligações familiares em Portugal e já conhecia o que eram os habitantes de cá.
P.: Houve algum sentimento de mágoa em relação a Portugal após o regresso?
R.: Não houve qualquer sentimento de mágoa. Portugal era a nossa Pátria e não tivemos mágoa ao regressar. Claro que sentimos falta de África, mas a maioria de nós tinha ligações familiares em Portugal e já conhecia o que eram os habitantes de cá.