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A Alemanha declarou guerra a Portugal em março de 1916. Quase nove meses mais tarde, três navios no Porto do Funchal foram torpedeados e a cidade bombardeada. O 3 de dezembro de 1916 marcou um momento ímpar na história da Madeira, o “único espaço português no hemisfério norte a sofrer um ataque” desta dimensão, durante a 1.ª Guerra Mundial, como refere o historiador Paulo Miguel Rodrigues. Faz hoje 104 anos desde que a ilha foi atacada.
A ilha é a da Madeira. O cenário é o do Porto do Funchal. Na manhã do dia 3 de dezembro de 1916, quatro navios encontram-se fundeados na baía da capital madeirense, distribuídos quase que na forma de um quadrado. São eles o vapor armado francês Kanguroo, o iate norte-americano Eleonor A. Percy, a fragata francesa La Surprise e o vapor britânico Dácia (ao serviço dos franceses), ambos acabados de chegar ao porto. Nas águas madeirenses, naquele momento, estava também o submarino alemão U-38, ainda que invisível à superfície.
Pelas 8:30 horas aconteceu a primeira explosão. A La Surprise é torpedeada no paiol. Em terra, devido ao local da explosão, “deduzira-se que a deflagração se devera a algum acidente”, refere o historiador Paulo Miguel Rodrigues. Junto à fragata, uma barca de abastecimento da firma Blandy afunda-se ao mesmo tempo.
Cinco minutos depois era a vez de o Kanguroo ser atingido por um segundo torpedo. Quase de seguida, o U-38 terá passado ao largo, pela popa do vapor armado e, com o seu terceiro e último torpedo, atingiu o Dácia.
No mar, a única tentativa de defesa veio do Kanguroo: 25 disparos, sem nenhum efeito, enquanto adornava na costa madeirense. O iate norte-americano não foi atacado pela simples razão dos Estados Unidos serem, no momento, um país neutral.
O principal objetivo “do U-38 era afundar o Dácia e a sua escolta. A presença, inesperada, do Kanguroo condicionou a abordagem, mas a sequência dos torpedeamentos comprova como tudo foi facilmente ultrapassado com rapidez”, explica Paulo Miguel Rodrigues, acrescentando que o submarino mostrou “ter alvos definidos, sendo evidente que o capitão-tenente Valentiner possuía informações detalhadas sobre a sua localização”.
Para além da informação que terá recebido de terra, Max Valentiner, na altura do ataque, encontrava-se familiarizado com a capital madeirense. Numa das passagens do seu livro, Der Schrecken der meere: Meine U-Boot Abenteuer, publicado em 1931, o capitão do submarino refere que “já conhecia a ilha desde 1902”, quando como cadete passou “ali horas agradáveis e inesquecíveis” recordando-se do cenário da cidade: à esquerda “erguia-se a encosta hirta e alta, coroada com um forte; a cidade do Funchal subia em declive toda coberta, desde o nível do mar até ao cume de casas e de verde”, descreve.
Após o torpedeamento dos navios, iniciou-se, em resposta à defesa vinda de terra, o bombardeamento à cidade. Da bataria da vigia vieram 34 tiros e da fortaleza de São Tiago 18. Nenhum atingiu o submarino que se terá colocado a cerca de 12 quilómetros de terra, distância que fez com ficasse fora do alcance da artilharia terrestre.
O elucidário madeirense revela que o U-38 terá lançado “50 granadas” sobre a cidade, caindo umas no ar e outras nas principais ruas do Funchal. A população, sob a ordem do Regimento de Infantaria 27, refugiou-se nos pontos mais altos do anfiteatro natural, em freguesias como a do Monte, de São Roque e a de Santo António.
Todo este bombardeamento “andou à volta de uma hora e pouco”. Depois deste confronto, o submarino saiu, à tona da água, e seguiu para este, havendo até “registo que quando passaram a zona da Ponta de São Lourenço, cumprimentaram as pessoas e os funcionários do farol”, que não tinham maneira de saber o que se havia passado no Funchal, refere Paulo Miguel Rodrigues.
Nos dias seguintes ao ataque, a temática da defesa da cidade e da segurança do porto veio a debate público. O semanário A Verdade dava conta dos poucos recursos na defesa do arquipélago que mesmo quatros dias depois do ataque, ainda não havia chegado “socorros a que ponham o Funchal ao abrigo dalgum novo assalto”. O mesmo semanário criticava o pouco apoio que a capital portuguesa dava à ilha, referindo que “nunca o governo central pôde ou quis dispensar um chaveco ao menos para o policiamento do” porto do Funchal.
O Diário da Madeira dava também conta do pouco movimento do porto depois do ataque, onde não havia “uma única embarcação das que” ali “costumavam vir regularmente”.
O bissemanal Brado D’Oeste referia que era tempo de “enterrar os mortos e cuidar dos vivos”, frisando que “a navegação mercante” havia abandonado o porto madeirense.
Na altura, o ataque criou “um sentimento de revigoramento da ideia autonomista, da independência administrativa”. Paulo Miguel Rodrigues refere ainda que, durante a 1.ª Guerra Mundial, “a Madeira foi o único sítio em Portugal a ser bombardeado em terra”.
Houve ainda quem comparasse o ataque do submarino alemão com o ataque dos corsários franceses em 1566, onde o Funchal foi saqueado durante quase um mês, num “confronto de duas épocas” (Diário de noticias, 14/12/1916). No final do dia 3 de dezembro de 1916, o resultado final do ataque traduziu-se em 39 vítimas mortais – 33 franceses, da La Surprise, e 6 portugueses – e em algumas dezenas de feridos.
Em memória dos marinheiros franceses e dos trabalhadores portugueses, foi mandado construir, por Henrique Augusto Vieira de Castro, um monumento às vítimas. Esculpido por Francisco Franco e inaugurado no dia 3 de dezembro de 1917, no cemitério das Angústias, hoje a peça encontra-se no cemitério de São Martinho, conservando o nome das vítimas e a inscrição original, da autoria de Jaime Câmara: “o clarim da manhã cantava na baía, o crysântemo abria à beira do balsedo… e coriscou o raio e matou a alegria, a violência, (o fragor), imortal, de um torpedo!”
O ataque à Madeira aconteceu quase nove meses depois de a Alemanha ter declarado guerra a Portugal, a 9 de março de 1916. Antes, no dia 24 de fevereiro, por ordens do governo central, quatros barcos alemães foram apreendidos no porto do Funchal. Entre outros motivos, a apreensão dos navios foi uma das razões expostas pelo governo alemão na declaração de guerra apresentada a Portugal.