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Uma rapariga lusodescendente na Ucrânia passou quatro dias a fugir, atingindo a fronteira polaca na quinta-feira, onde foi recebida por emigrantes portugueses que a vão enviar para Portugal, enquanto a mãe continua com o irmão, obrigado a ficar.
O caso foi contado à agência Lusa André Portugal, um dos dois jovens portugueses a residir na Polónia que, assim que identificaram a dimensão da invasão russa, se mobilizaram para ajudar quem chegava às fronteiras polacas, para fugir da guerra.
André Portugal e o amigo André Pestana aperceberam-se com “algum espanto” que, apesar de esta ser uma invasão anunciada, nada estava preparado para acolher as pessoas que começaram a passar as fronteiras para fugir da guerra, principalmente as mais pequenas, sem transporte assegurados.
Ali chegados, os ucranianos – e de outras nacionalidades, entre os quais portugueses e lusodescendentes – tinham apenas tendas de lona para se abrigar e os seus parcos pertences, muitas vezes uma mochila com meia dúzia de coisas.
“Pensava que a Polónia e a Europa estivessem mais preparadas, com uma guerra iminente, as embaixadas fechadas, os Estados Unidos a retirar as pessoas” da Ucrânia, afirmou, acrescentando que o que se viu foi “um pandemónio”.
A residir em Zakopane, estes portugueses reuniram bens de primeira necessidade e, com outros elementos da comunidade, formaram uma pequena caravana que chegou à fronteira de Krościenko, caraterizada por acessos difíceis de estrada de montanha.
Entregaram os bens e perguntaram o que era mais necessário para irem comprar e novamente entregar. No regresso da fronteira, trouxeram pessoas que fugiam, dando boleias até cidades vizinhas ou apenas até às estações de comboio.
Nos percursos, assistiram com cada vez mais frequência a famílias, muitas delas com crianças, a caminharem a pé, distanciando-se de uma Ucrânia cada vez mais perigosa.
Além da fronteira de Krościenko, estes voluntários percorreram as de Korczowa, Piaski e Chotynie. Em Przemysł, cidade conhecida pela riqueza de museus e monumentos, ficaram impressionados com a tenda de lona para bebés, onde os mais pequenos se abrigavam do frio e da neve, entretidos em improvisadas brincadeiras.
A ação destes portugueses sensibilizou a comunidade portuguesa na Polónia – cerca de 2.000 pessoas – que se juntou ao movimento improvisado através da oferta de bens e de doações, que André Portugal justifica sempre que faz despesas, seja na aquisição de produtos, combustível ou outros.
Em dois dias, fruto da generosidade de grupos, como o destes portugueses, um pavilhão desportivo em Ustrzyki Dolne, perto de Krościenko, que estava vazio quando os refugiados começaram a chegar, ficou cheio de mantimentos, passando agora a aceitar apenas a oferta dos bens que vão precisando mais.
André Portugal sublinha a importância de ser dado apenas o que é preciso, para evitar desperdício. “Não é esvaziar o armário. É preciso dar o que eles precisam” e que passa muito por comida para crianças, biberões, fraldas, etc.
Na quinta-feira, após terem recebido um apelo de uma portuguesa a residir na Ucrânia, mãe de uma filha de 16 anos e de um rapaz de 19 anos, os portugueses tiveram uma missão especial: encontrar a jovem que tinha partido há quatro dias, mantê-la em segurança e tratar da sua viagem para Portugal.
O caso emocionou os portugueses, pois trata-se de uma rapariga que foi com a família para a Ucrânia ainda bebé e que contava ir para a Polónia prosseguir os estudos. Por essa razão, nos últimos tempos a família tinha estabelecido contactos com a comunidade portuguesa.
O filho do casal, com 19 anos, teve de ficar para lutar e a mãe não quis deixá-lo sozinho. Enviou a filha para a Polónia e pediu ajuda aos conterrâneos para a acolherem na fronteira.
Foram quatro dias sem dormir – para a mãe e a filha – que terminaram com a rapariga a passar a fronteira na quinta-feira e a ser recebida por André Portugal e outros elementos da comunidade, que prontamente enviaram uma fotografia à mãe, a testemunhar o encontro.
André Portugal conta que não podia ficar indiferente e que estava quase na disposição de “entrar pela Ucrânia adentro” para ir buscar a rapariga.
“Já ouvi relatos de grupos de prostituição e de pedofilia, a raptar pessoas. Uma criança de 16 anos sozinha é um alvo muito fácil”, disse.
Os obstáculos foram muitos. O carro onde o português seguia não podia sair do espaço europeu, as empresas de aluguer não estavam a permiti-lo. Mas assim que foi lançado um apelo na comunidade, em cinco minutos um Bruno respondeu a oferecer ajuda.
A rapariga chegou com uma mochila, onde tinha um sumo e um casaco. Já em segurança, pediu um gelado e passou pelo McDonalds. E finalmente conseguiu dormir, tal como a mãe.
Segundo André Portugal, a embaixada portuguesa já conseguiu um bilhete e a rapariga estará em breve com familiares em Portugal.
Foi precisamente o voluntariado que levou este português, 32 anos, à Polónia, depois de outras experiências em Portugal e outros países.
Hoje trabalha num escritório e agradece a possibilidade de poder faltar ao trabalho para ajudar estas pessoas, sem ser prejudicado financeiramente, pois o regime laboral permite-o.
Acredita que as pessoas não fazem a mínima noção do que está a acontecer na Polónia: “As pessoas estão a chegar e a dormir em tendas de campanha, vêm com uma mochila e as coisas que conseguiram apanhar. O que mais confusão me faz é os bebés a dormir em tendas militares. Está frio, está a nevar”.
E sublinha a atitude dos polacos que “têm ajudado imenso”, sem deixar que as pessoas passem fome.
“Os ucranianos são quase como um povo irmão dos polacos. Os polacos sofreram muito na mão dos russos. O que os russos estão a fazer aos ucranianos, de invadir as suas casas, trazê-los para a rua e abatê-los à queima-roupa, os polacos sofreram isso na pele”, afirmou.