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Esta manhã acordei de maneira brusca após um daqueles comuns sonhos bizarros, que todos nós já tivemos no decurso das nossas vidas. Só que, desta vez, algo fez-me pensar sobre o sonho com maior atenção. Mais até do que os outros sonhos que tenho tido.
O sonho in media res colocava-me deitado numa cama com fortes dores na cabeça. Já em frente aos espelho da casa de banho percebi que tinha pequenos cogumelos a crescerem sobre a cabeça. Assustei-me, mas tentei cortá-los. O problema é que sangue foi explodido ao longo da minha face e acordei. Que sonho foi este? Procurei o significado por todos os lados, mas não o encontrei. Nem mesmo Freud me conseguiu dar a resposta. Será uma espécie de efeito secundário da minha temida calvície, que o meu subconsciente se aproveitou? Lembrei-me então, de quando ainda era criança, e certa noite desesperei aos gritos porque tinha um lobo a destruir-me a espinha com as suas garras afiadas.
Quando despertei, lembro-me que tinha uma enorme borbulha provocada por uma picada de mosquito. Podem estar a rir, mas estes sonhos são comuns a todos nós e muitas vezes não sabemos qual a razão das dores e angústias do nosso corpo e da nossa alma serem aproveitadas quando queremos dormir quando, na verdade, só as queremos esquecer.
Será que Luis Buñuel também teve sonhos deste género para criar as tão surreais imagens que vemos em “Un Chien Andalou” (1928), na sequência em que o olho de uma mulher é cortado com uma navalha por um homem? Será que foram sonhos desse género que tornaram a arte de Federico Fellini um reflexo absoluto do onírico?
Independentemente do sonho, o certo é que hoje em dia vivemos um mundo tão stressante e angustiante que poucas vezes temos oportunidade de sonhar de olhos abertos. Em tempos de pandemia, de crises e eleições políticas, de problemas relacionados com a migração e guerras, ou falta de emprego vivemos numa monstruosa bolha que não nos permite ver além. Até mesmo quando fechamos os olhos há algo que nos remete às problemáticas da rotina.
Apesar disso, digo que ainda há esperança na arte e na cultura. A realidade talvez não seja tão assustadora quando vamos ao cinema. Ver filmes, os poucos que são distribuídos em sala neste momento (e que não são adiados para 2021), podem ser um escape às escuras do nosso presente. Mesmo tratando-se de uma representação imagética, a experiência da sala de cinema permite-nos colocar em off a realidade, clicando naquele botãozinho do nosso cérebro. O nosso olho passa a ser o olho da câmara de filmar. Através dos olhos e da experiência do cinema podemos apreender mais alguma coisa sobre a nossa realidade. Os filmes como leitura do real, fazem-nos entrar numa dimensão maior do que a vida e enviam-nos a um espaço sem nome, sem tempo e sem espaço. Não foi por acaso que o cineasta Denis Arkadievitch Kaufman (1896-1954) apercebendo-se do impacto de “rodar e girar” apropria-se-ia dessas palavras e dos seus significados para se tornar Dziga Vertov e andar por Carcóvia na Ucrânia para criar “O Homem da Câmara de Filmar” (1929).
Se somos espectadores na sala de cinema, nos sonhos somos operadores da visão. Somos realizadores, autores e atores da experiência onírica é por isso que não queremos acordar. Tudo isto parece paradoxal, mas o pior cego é mesmo aquele que não quer ver filmes! Por muitos olhos que sejam cortados, queremos continuar a sentir esse estado absoluto de prazer e euforia. Façamos portanto o regresso às salas, ao seu conforto e à sua magia, de forma faseada e segura. Poderemos voltar a sonhar na sala escura e a deixar-nos levar pelas personagens, pelos lugares e pelos tempos, mesmo aquando o final é deixado em aberto. Afinal no cinema e nos sonhos há sempre um quê de imprevisibilidade.