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As vozes que se ouvem no Alto Minho são claras e determinadas, fora da serra que a serra é nossa! E, também que nem um furo se fará nesta serra minhota com um património paisagístico e cultural inestimável.
Uma das vozes que desde o início se mostrou contra a prospecção e pesquisa de lítio na Serra de Arga foi a Corema, associação ambientalista sediada na freguesia de Lanhelas que nasceu em 1988. Foi uma das primeiras associações a inscrever-se no Instituto Nacional do 1Ambiente; é membro fundador da Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente e integra os seus Corpos directivos desde 1995, pertencendo ao Conselho Executivo; integra a Plataforma Ecologista Luso-Galaica, da qual foi membro fundador.
Luso.eu falou com José Gualdino, presidente da Corema, em que o tema central foi o lítio na serra minhota.
Convicto do desastre ambiental que esta pretensão do governo trará à paisagem e às gentes da serra referiu que “o Sr. Ministro do Ambiente e da Acção Climática tem poderes para viabilizar o maior atentado ambiental praticado em Portugal” e, ainda, mencionou que a descarbonização tão anunciada pelo governo “esconde uma poderosa pirâmide de interesses e enganos, assentando na pura ocultação dos pesadíssimos estragos.
Críticas ao governo nesta sua pretensão foi postura de José Gualdino que apontou algumas graves lacunas.
Referir, ainda, que a Corema promoveu um abaixo-assinado contra a prospecção,pesquisa e exploração de lítio na Serra D’Arga que está a circular em Caminha e em Vila Nova de Cerveira e que se encontra em diversos estabelecimentos comerciais das referidas localidades.
Luso.eu - A Corema desde o início se fez ouvir num não à prospecção de lítio na serra de Arga. É um acabar com a serra se tal acontecer?
José Gualdino - ACorema desde Junho de 2019 que realiza, de uma forma organizada, acções de sensibilização das populações sobre as consequências da aprovação de um projecto de mineração do lítio e de outros minerais para a Serra d’Arga. A exploração mineira desta serra, que é uma das “joias da coroa” do Alto Minho, poria em causa a sua valia ecológica, ambiental, paisagística, cultural e económica, bem como a sua importância enquanto espaço de vida ancestral.
LE – A romaria de Outubro tal como foi designada a manifestação do passado dia 23 foi uma aposta ganha?
JG – Foi um momento de crucial importância para a contestação do extractivismo na Serra d’ Arga e freguesias adjacentes de Caminha, Viana do Castelo, Vila Nova de Cerveira, Ponte de Lima e Paredes de Coura. Constituiu um momento muito inspirador e mobilizador para as lutas que se avizinham.
LE - Esta manifestação foi a prova clara que o povo não quer na Serra de Arga nenhum projecto de mineração de lítio?
JG – Foi realmente um autêntico clamor contra a mineração das populações que vivem na parte central da Serra e na sua bordadura.
LE – Na dita manifestação foi cantado: fora da serra que a serra é nossa. É evidente o desejo da população. Foi defendido que a decisão do povo deve ser vinculativa. Acredita?
JG – Gostaríamos que o poder político – o Governo – ouvisse a população e tomasse decisões não em contramão com os seus desejos mas em respeito pela sua vontade. Isso é governar num regime democrático.
LE – Na manifestação também ficou claro o apoio dos autarcas do Alto Minho. Existe diálogo entre os municípios e a Corema?
JG – Tem existido uma enorme convergência de posições e de acções entre a Corema e os autarcas do Alto Minho. Sempre dissemos que as Câmaras Municipais e as Juntas de Freguesia tinham que ser nesta luta nossas aliadas e nunca o contrário. Estamos todos unidos pela defesa desta região no presente e no futuro.
LE –É clara a decisão dos autarcas quanto a esta pretensão?
JG – Estamos convencidos que os autarcas estão e estarão ao lado das populações para quem governam, não faria sentido outra atitude que não a de serem porta-vozes dos legítimos anseios dos seus habitantes, mesmo que isso os leve a entrar em rota de colisão com o poder central.
LE – Existe algo pensado para que se trave este processo de prospecção de lítio na serra de Arga se o governo decidir avançar?
JG – Esperemos que não sejam necessários. A organização de actos de desobediência civil é sempre um recurso a ter em conta. A multiplicação de protestos de rua é algo que irá acontecer, independentemente da nossa vontade.
LE - ACOREMA contenta-se com a retirada desta prospecção na área Natura 2000 e da área protegida? É um não rotundo em toda a serra?
JG – A nossa posição foi sempre de contestarmos a prospecção e a exploração em todo o concelho de Caminha e no Alto Minho. Além dos impactes directos sentidos nas zonas de pesquisa e de exploracção verificar-se-ão impactes indirectos nas zonas adjacentes às minas. Existem exemplos abundantes que tal ocorre. É o caso da contaminação de águas subterrâneas numa zona do Nepal situada a 200 km da zona de extracção.
LE – Segundo a COREMA o que o governo não está a contar às pessoas?
JG – O Governo está a apresentar a extracção de lítio como uma autêntica panaceia para a descarbonização da economia, colando-lhe o rótulo de “mineração verde”, como se dela não resultassem impactes muito severos e irreversíveis para o Ambiente e para a qualidade de vida da população. Trata-se de uma mineração a céu aberto altamente contaminante, que deixará um passivo ambiental tremendo para as gerações vindouras. Comprometerá, ainda mais, a sustentabilidade do Planeta, ao poluir a água, o ar e o solo, ao atentar contra as espécies da flora e da fauna selvagem, ao arrasar zonas de floresta que são sumidouros de carbono.
LE – O descontentamento com a postura do governo em anunciar a consulta pública dois dias após as eleições autárquicas foi notória. Porquê?
JG – Os cidadãos e, em particular, os cidadãos eleitores, sentiram-se enganados já que se tal decisão tivesse sido tomada antes das eleições autárquicas poderia ter levado a mudar o sentido do seu voto. O Governo ficou, automaticamente, ligado a uma manobra política pouco transparente e à falta de lisura nos procedimentos.
LE – Foi suficiente a prorrogação do mesmo até Dezembro?
JG – O alargamento do período da consulta pública permitirá uma participação maior dos cidadãos e das várias entidades das regiões abrangidas pelo Programa de Prospecção e Pesquisa de Lítio.
LE – Qual a leitura que faz do relatório de avaliação ambiental preliminar do programa de prospecção e pesquisa de lítio?
JG - Trata-se, na nossa opinião, de um estudo que contém enormes fragilidades e omissões grosseiras, elaborado com o propósito claro de defender a exploração do lítio e de outros minerais associados. Não contém uma linha sequer relacionada com o impacto da mineração na actividade económica local e da região. Não contém uma única referência ao Estudo recente que serviu de base ao Projecto Intermunicipal de Classificação da Serra d’ Arga como Área de Paisagem Protegida, o mais completo estudo que alguma vez se fez sobre este território.
LE – Também foi denunciado ilegalidades na consulta pública. Concorda?
JG – A ilegalidades que o nosso advogado está a estudar e que oportunamente denunciaremos publicamente.
LE – A COREMA já preparou algo para aportar a esta consulta pública? Vai aportar algo a este documento?
JG – A Corema está a trabalhar afincadamente na apresentação de um documento de análise e contestação do estudo que se encontra em discussão pública, recolhendo, para isso, contributos de técnicos e investigadores de várias áreas (geologia, biologia, botânica, economia e direito, entre outras), que nos estão a dispensar uma preciosa colaboração.
LE – Tem conhecimento se as Câmaras têm algo definido nesse sentido?
JG – As 5 Câmaras Municipais do Alto Minho cujos territórios estão ameaçados pela exploração mineira (Caminha, V. N. de Cerveira, Viana do Castelo, Ponte de Lima e Paredes de Coura) estão a trabalhar em conjunto para apresentarem uma contestação única e tomarem uma posição pública conjunta.
LE – O ministro do Ambiente e da Acção Climática defendeu recentemente que Portugal só deve ir buscar à terra a quantidade mínima de lítio. É justificável?
JG – O Sr. Ministro do Ambiente e da Acção Climática tem poderes para viabilizar o maior atentado ambiental praticado em Portugal mas não tem poderes para determinar às empresas mineradoras que quantidades de lítio devem extrair. A lógica da indústria extractiva é baseada, como em outras indústrias, no máximo lucro e no mínimo custo de produção, mesmo que isso seja à custa da delapidação dos recursos naturais e da destruição do Ambiente.
LE – Este governante ainda defendeu que a prospecção de lítio é essencial para descarbonização, da economia. Que comentário lhe merece?
JG – Tal afirmação não passa de uma falácia, assentando num mistificatório modelo de descarbonização da economia. Para além da candura e da bondade com que é apresentada, esta descarbonização anunciada esconde uma poderosa pirâmide de interesses e enganos, assentando na pura ocultação dos pesadíssimos estragos que decorrem a montante e a jusante do processo de extração do lítio. Parecendo, pois, os promotores da mágica receita a que nos querem sujeitar, desconhecer a complexidade e o carácter volátil do contexto de produção e fixação do preço do lítio e dos restantes minerais. No contexto de uma geografia económico-política instável como a que vivemos, será de equacionar a rápida obsolescência de certas tecnologias (incluindo a utilização do lítio) e a frenética corrida em busca de formas de energia mais abundantes, eficazes e financeiramente mais acessíveis.