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Vive nos arredores de Lisboa, actualmente tem 44 anos é deficiente visual, mas sempre sonhou alto e lutou por conquistar as suas metas e objectivos. Valores e princípios são nota predominante no que faz e tem um olhar atento para com os outros.
Nem sempre a vida lhe sorriu, mas José Gameiro nunca baixou os braços perante as agruras da vida. É um dos nomes de destaque em Portugal no desporto adptado, concretamente no atletismo onde deu provas do seu valor e por este país conquistou os maiores galardões.
Um amante do chocolate e da leitura, propriamente de tudo o que se relaciona com a fantasia e ficção cientifíca.
Um benfiquista de gema que nos revelou um pouco mais da sua vida e do atleta e como foram necessários superar vários obstáculos. Apesar de um verdadeiro campeão e guerreiro nem sempre as coisas foram fáceis ...
- Quando iniciaste no atletismo?
José Gameiro - Em 1990, com 17 anos, inscrevi-me na A.C.A.PO., no atletismo na vertente de manutenção, mas com o passar dos dias devido ao meu gosto, interesse e desenvolvimento foi fácil a transição para a competição. Devido aos resultados, para a alta competição, Em Setembro de 1991, participei no meu primeiro campeonato Europeu, na Normandia, França.
Mais tarde em 2001, integrei o Sport Lisboa e Benfica e em 2003 o Marítimo até ao final da minha carreira desportiva, em 2007.
- Pretendias enveredar pela alta competição?
JG - Inicialmente, foi numa perspectiva de ver no que iria dar ... Mas, sim, tinha uma pequena perspectiva de pelo menos entrar em competições e isso foi avolumando-se consoante os resultados dos treinos.
- Concretamente, no atletismo em que área te especializaste?
JG – Acabei por fazer um pouco de tudo. Relativamente, às disciplinas de corridas, quer de pista quer de estrada, Apenas me faltou mesmo fazer a maratona (o que na realidade nunca desejei fazer, mesmo na meia maratona. As que fiz poderei dizer que as fiz com um certo «frete», pois sim sempre adorei correr, mas chegava a uma altura que já não me interessava estar ali).
De qualquer maneira, o que sempre gostei foi das corridas na pista e as minhas características se centraram especialmente nos 800 e 400 metros, sendo as minhas principais provas realizadas nos campeonatos internacionais.
- A nível nacional quais as tuas conquistas?
JG - A nível nacional , foram diversos os títulos Nacionais, mas precisar agora será difícil. Sendo até à presente data uma modalidade com pouca participação, mesmo no âmbito Nacional, acabei sempre por com alguma facilidade alguns títulos como até mesmo não lhe ter dado o devido valor. Não pelos títulos conseguidos mas pela fraca participação.
- E a nível internacional?
JG - Nos Jogos Paraolímpicos, Estados Unidos da Améric, Atlanta (1996), 400 m. - 1º lugar com o tempo de 52.92 e com Guia Bruno Girão. 800 M. - 1º lugar e o guia Bruno Girão. Austrália , Sidney 2000, 4x400 metros e Record Paralímpico 3,28,65 , Guia António Braz. 200 m., . 7º lugar e obtido Record Pessoal e o Guia António Braz. 400 M., 7º lugar. Campeonato do Mundo : Alemanha, Berlim 1994, 800 m. 2º e o - guia Valter. Espanha, Madrid 194, 400 M., 1º e Record Mundial 3.27.86 e o guia Valter.
E muitos mais, mas seria maçudo enumerar todos …
- Também representaste Portugal nos paraolímpicos. Onde? E contanos um pouco essa experiência?
JG - Os Jogos Paraolímpicos , é um mundo completamente à parte. Por mais que se fale, não é fácil descrever com a exactidão. As emoções que nos atingem num evento desses são inexplicáveis…
Tive duas participações em Jogos Paraolímpicos , em 1996 em Atlanta, e em 2000 em Cidney. Em Ambos consegui lugares de excelência.
Em Atlanta dois primeiros lugares : 400 metros com record pessoal; e 800 metros. E nas duas competições tinha adversários e ao mesmo tempo amigos, tanto Nacionais como estrangeiros.
Em Cidney, a prova foi a estafeta 4x400 metros e batemos o record paraolímpico e Mundial. Sendo uma prova realizada por equipa, uniu-nos bastante, além da amizade que partilhávamos juntos nos treinos. Uma prova do nosso valor individual, que soubemos mais uma vez juntar em uma equipa e se transformou no resultado que nos levou a uma bela vitória.
Em Atlanta, foram os meus primeiros Jogos, e a magia do sonho acontecia, e o que tanto se sonhou, trabalhou durante anos e anos a fio, estava-se a viver.
Por mais que se tenha alguma experiência desportiva e competitiva , ao entrar nos jogos tudo é diferente, os adversários são mais fortes, mais competentes, pois é um sonho para todos. É o momento de glória em que qualquer um pode dar cartas. O momento da cerimónia, no centro do estádio, a envolvência de todo o público, é para lá de arrepiante. Após uma vitória estar no lugar mais alto do pódio é o momento em que nos sentimos os verdadeiros Heróis. O momento em que nós olhamos para dentro e dizemos a nós próprios: isto é aquilo que tanto sonhaste, trabalhaste, sofreste e aqui tens o merecido por toda essa dedicação que ultrapassa por vezes para lá do sensato.
- Entretanto, abandonaste o atletismo. Qual foi a razão?
JG - O abandono da competição, foi devido a vários factores. Nas últimas épocas desportivas tive lesões nos meniscos, e em ambas as lesões as recuperações foram demasiado lentas, devido à idade, já um pouco avançada, se tornou bem fatal para a recuperação da performance. Tal fez com que em 2004 não tivesse conseguido ir aos jogos de Atenas, e em 2006 já ter muitas dificuldades no Europeu realizado na Holanda.
E os apoios escassearam e as facilidades para treinar estavam cada vez piores. Depois a necessidade de trabalhar para sustentar a família, também se impôs. A competição em Portugal jamais foi algo por onde se pode viver, Principalmente para pessoas com deficiência. A dificuldade em obter guia para as minhas disciplinas, é algo difícil de conseguir, pois em provas de pista até os 800 metros acaba por ser bastante exigente e sendo o atleta bem forte, o guia terá que ser bem melhor e conjugar horários, apoios para os guias, sempre foi algo bastante complicado.
- Mas, sendo tu um atleta que já tinha conquistado medalhas de ouro para Portugal, não havia uma ajuda do Estado?
JG – Inicialmente, os apoios foram bastante escassos . Só com o decreto lei 125 de 31 de Maio de 1995, com o artigo 40º, é que os atletas com deficiência foram integrados nos apoios oficiais com os contractos olímpicos. No nosso caso, os contractos paralímpicos, que por norma são de 4 anos, foram apenas referente ao ano 1996 e a partir daí também premiados pelas conquistas obtidas, medalhas. Mesmo assim sempre houve diversas discrepâncias, quer no aspecto dos valores da preparação, e não esquecendo que diversos atletas como os cegos totais e também alguns deficientes motores, necessitavam de um guia/assistente e os apoios tornavam-se bastante irrisórios até porque os valores atribuídos eram muitas das vezes gastos nas inscrições das competições internacionais, viagens para as mesmas. Como referi antes os gastos dos que necessitavam de guias/assistentes eram a dobrar, logo acabava por ser uma miséria.
Também relativamente aos prémios das medalhas conquistadas , sempre houve algo que até agora nunca consegui perceber o porquê. Já para não falar de valores menos de 50% dos restantes atletas ditos normais. No caso de eu conseguir uma segunda medalha idêntica , como foi o caso de Atlanta nos jogos Paralímpicos, o valor do prémio passava a ser de 50% da medalha anterior e se houvesse uma terceira, ficaria 25% da primeira. Ou seja, eu com a primeira medalha ganhava 2 mil contos e com a segunda medalha 1000 contos sendo as duas medalhas de ouro.
- Actualmente, que consideras que poderia mudar nesta diferenciação de tratamento?
JG – Em primeiro lugar, talvez a mudança de mentalidade das grandes instituições nacionais e não verem as pessoas com deficiência como pessoas menores. Enquanto isso não se modificar , nada relativamente às pessoas com deficiência mudará, no emprego, no ensino e neste caso específico no desporto. Seja onde for são sempre vistos como pessoas menores, de menores capacidades e de menores feitos … Mas, quando é para evidenciar o pouco que fazem já somos vistos como pessoas inteligentíssimas , Homens guerreiros, que ultrapassaram este mundo e outro mas desligam-se os holofotes e tudo volta ao mesmo Sendo sempre a mesma hipocrisia de quem governa.
- Mas, sendo Portugal um país que faz conquistas nos para-olímpicos
esse tratamento, que referes de 2ª e a disparidade de valores, não são um contracenso?
JG – Mas, quando é que os deficientes ou melhor dizendo as pessoas com deficiência foram tratadas de igual para igual.
Somente falas da falta de apoios. Mas, a alta competição é muito exigente. Nunca tiveste que fazer algo com o que não concordavas para conseguir competir?
JG – Sempre fiz desporto com um enorme prazer, e a competição foi sempre algo imensamente exigente e isso em determinadas situações me impedia de participar no convívio com a família. Mais nos períodos nocturnos ou mesmo fins-de-semana em que tinha competições, no Verão pois era nas alturas em que estava a chegar as competições mais importantes e assim não podia me desviar do que durante o ano tanto trabalhava.
No aspecto desportivo as únicas coisas que sucederam uma ou outra vez foi ter sido obrigado a fazer, uma ou outra vez, o excesso de provas para representar neste caso o clube, pois outros elementos faltaram. Cheguei mesmo a realizar uma prova de 200 metros depois de uma de 800 que é completamente anti-producente e de certa maneira o rendimento também, mas tirando estes aspectos não me senti desconfortável nem sequer alguma vez me desviei nos verdadeiros valores de um atleta puro. Em momento algum alguém me sugeriu ou exigiu que para melhor evoluir e obter melhores resultados tomasse substâncias ilícitas. No final de cada competição sempre tive, independentemente do meu resultado, a consciência que o que fiz foi o que a minha mente e esforço físico me permitiu.
- Sendo cego como te receberam no desporto? A tua condição de deficiente da visão foi alguma vez um entrave no desporto?
JG - A minha integração foi fácil e alem do mais onde iniciei e onde estive diversos anos, foi sempre um clube só com atletas com deficiência visual. Não era difícil … O que por vezes era mais estranho era quando participávamos em provas de estrada, aí sim inicialmente alguma estranheza! … Alguns atletas ditos normais, se sentiam mal por vezes em perder com atletas cegos e faziam algumas coisas disparatadas como nos ultrapassar para ver se não perdiam connosco, mas umas centenas de metros mais à frente como dizíamos na gíria: davam o berro e nós os passávamos com uma facilidade e alem de todos rotos, (cansadíssimos), como todos lichados por serem ultrapassados por um cego o que os enfurecia.
- Um cego em atletismo necessita sempre de um guia. É fácil o conseguir?
JG - Os guias foram sempre uma peça muito importante nos treinos e nas competições para os atletas cegos. Além disso, acabam por conviver com os atletas durante bastante tempo, e além da amizade, são pessoas que mais partilham grande parte do que sentimos, sofremos e sabem melhor que ninguém o que sentimos em cada instante.
Sendo que no mínimo o guia tem que ter a mesma performans. Nas disciplinas de corrida mais rápidas, é bem mais difícil do que provas mais longas tipo os 1500, 5000 e por aí fora, pois além de haver uma boa quantidade de atletas a participar, existe menos situações especificas para treinar, como as partidas nos 100, 200 e 400 metros em que cada centésimo é extremamente importante.
- Pretendes voltar ao desporto mesmo sem ser atleta?
JG - Sim, mesmo ainda quando competia, tirei a minha formação de massagista. O que me ajudou a fazer a ponte da parte desportiva para a parte pós desporto sem estar completamente fora do meio desportivo. É difícil para quem esteve 17 anos na alta competição não querer estar dentro do desporto e procurar sempre uma actividade que nos leve novamente para esse ambiente.
Neste momento, estou a consolidar e aperfeiçoar os meus conhecimentos na área da massagem com mais um curso.
- Que conselho deixarias aos mais jovens, quer para a prática do desporto como para os deficientes visuais?
JG - Essa é uma das perguntas da praxe … E não será diferente de tantas de que tantos outros já deram. Está mais que provado que o desporto é, sem dúvida, uma das actividades que faz bem a todos. Os benefícios são mais que evidentes para a saúde, para a integração social, para o crescimento de cada um de nós quer fisicamente mas como pessoas. Quando se fala de pessoas com deficiência, essa importância é ainda maior, pois havendo as ditas dificuldades que a pessoa com deficiência possui, de aceitação por as demais pessoas, apenas por ser como é, o desporto irá ajudar para que essa integração seja melhorada. Além de que ajuda a que a mobilidade e orientação melhorem imenso.
Aqui falo apenas no aspecto da prática de desporto pelo desporto, pois quando se fala em alta competição, eu costumo dizer que só mesmo para malucos, masoquistas e que é mesmo gostar bastante da modalidade para se poder conseguir seguir sistematicamente com os treinos exigentes, com abdicação de tantas participações de festas, saídas nocturnas etc. que só quem realmente ama a competição é que consegue suportar todos os treinos. -{gallery}gallery/Uma_vida{/gallery}<br>