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Saímos do restaurante depois de um agradável jantar de pai e filha.
À saída estava um senhor de cadeira de rodas a vender pulseiras, colares e outras bugigangas. Sou sempre atraída por estes artigos vendidos na rua. Transpiram e exalam verdade.
Gosto então de ver o que vendem e de sentir aquela arte honesta, que no meu fraco entender grita estar em exposição por motivos que eu não consigo calcular. Vi uma pulseira verde que me piscou o olho. Mas o que me conquistou foi o coração daquele homem, sentado numa cadeira de rodas que me ofereceu um sorriso gratuito. Foi por aquele cumprimento sem saber se eu iria comprar algo ou não que me agarrou. Um sorriso aberto num homem numa cadeira de rodas. Ele acusava algum problema mais do que a sua falta de mobilidade. Fez um esforço gentil para responder às minhas perguntas sobre o artigo que estava prestes a comprar.
Deu-me que pensar em todas as vezes que eu não sorrio ou agradeço e não estou presa a uma cadeira de rodas. Tenho toda a minha mobilidade. Todas as minhas faculdades mentais. Todos os meus órgãos a funcionar. E, às vezes, por instantes não me lembro disso. Como? Deixo-me levar, como todos nós, por coisas irrisórias e fúteis do dia a dia.
Não faço ideia do que será passar por aquelas dificuldades quotidianas e quanto mais, apesar de ter todos esses desafios ainda esboçar um sorriso simpático. Estive a ver com atenção e carinho os artigos que aquele senhor tinha em exposição. Decidi-me então pela pulseira verde. Fui à carteira verificar quanto dinheiro tinha em mão. Tinha só 10 euros e faltavam uns trocos. O meu pai entregou-lhe prontamente o restante.
Pensei: “ Quem sai aos seus não degenera”. O meu pai não fez perguntas. Naquele gesto de prontidão fez-me entender de onde venho.
O homem devolveu-nos o troco.
Eu e o meu pai chegamos até à mota estacionada, a poucos metros do senhor sorridente. Estávamos a discutir o preço do que tínhamos acabado de comprar. Não pela crítica do preço. Estávamos simplesmente na nossa intimidade a debater. E eu disse: “o que importa é que nós temos o valor para pagar e mais do que tudo… temos saúde”. O meu pai, um coração sensível, apenas disse “ é o mais importante”.. na nossa cumplicidade silenciosa, percebi que estávamos de acordo e em sintonia. Um acordo tácito de cavalheiros que reparam nos outros e que sabem que, como diz o Principezinho, “o essencial é invisível aos olhos”.
Subi para a mota e ao sairmos, o meu pai apitou para o senhor e disse adeus ao que ele, nas suas dificuldades, ergueu um braço e nos cumprimentou uma vez mais. Olhei para traz e vi-o novamente a sorrir e a emanar gratidão por o termos visto, interagido, e até comprado algo. Arrisco-me a dizer que mesmo que não tivéssemos comprado nada, o simples facto de termos reparado nele teria trazido àquele coração alguma alegria.
Talvez quem viva com as verdadeiras dificuldades da vida consiga perceber a benção e o verdadeiro milagre que é estar vivo. Nós que temos o essencial, às vezes, não percebemos isso.
E eu que estava há meses sem conseguir escrever, lembrei-me que a beleza da vida reside em repararmos nos outros e não há nada que me inspire mais do que isso.
Por vezes sinto que fui bafejada pelos deuses. O meu objetivo nesta curta passagem pela vida não se prende com carros ou com aquele almejar em ter “sucesso” ou pelo menos o “sucesso” que esta sociedade nos impele a desejar. Não quero nada disso. Quero só reparar nos seres. Na sua beleza intrínseca, pura. Que todo o meu património seja pautado pela alegria simples dos momentos do dia a dia. De nos escutarmos uns aos outros. E como dizia Saramago: “Se podes olhar vê, se podes ver repara”.
Veio-me à mente, enquanto escrevo esta simples crónica, a letra de uma música espanhola de que gosto muito, intitulada “La Vuelta Al Mundo”, dos Calle 13, e que diz o seguinte:
“No tengo todo calculado
Ni mi vida resuelta
Solo tengo una sonrisa
Y espero una de vuelta”
Tenho em crer que a vida está no nosso sorriso e se pudermos implantar um outro em alguém.. está completo o nosso objetivo nesta viagem fugidia por este lindo mundo que tanto nos ensina.