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A Conferência Sobre o Futuro da Europa é o maior exercício de democracia participativa alguma vez organizado na UE. Este é um exercício único, quer pela sua natureza, quer pelos métodos de trabalho inovadores. A Conferência é um fórum inclusivo de partilha de ideias e propostas que pretende debater o futuro do projeto europeu juntando Cidadãos, Parlamentares Europeus e Nacionais, representantes dos governos nacionais, das regiões, dos sindicatos, das confederações empresariais e da sociedade civil. É importante relembrar que foi o empenho e compromisso da Presidência Portuguesa que permitiu desbloquear o arranque deste importante e complexo evento de democracia transnacional, inspirado nas convenções dos cidadãos organizados em França, por ocasião do debate sobre as alterações climáticas.
A ideia de organizar uma Conferência que aproxime a UE dos cidadãos surge como uma consequência das várias crises que a Europa foi enfrentando nos últimos anos, culminando no choque provocado pelo Brexit – sintoma e espelho de uma certa incompreensão e desencantamento dos Povos com o projeto europeu. A Conferência pretende, assim, mudar a lógica “up-down” que acompanhou a construção do projeto europeu desde o primeiro dia, para uma abordagem “bottom-up” tentando responder, também, ao questionamento dos cidadãos acerca do suposto défice democrático e de representatividade no seio da UE que leva mesmo, alguns, a falar de uma crise de legitimidade da ação e tomada de decisão da UE em diversas áreas.
A questão do défice democrático é pertinente e merece uma reflexão. Tenho para mim que mais do que um défice democrático temos, na UE, um défice de pedagogia. A construção europeia é complexa de entender; a tomada de decisões é pouco clara e muitas vezes pouco transparente e a própria pulverização institucional só tem ajudado a uma certa cacofonia. É preciso lançar um grande exercício pedagógico a nível europeu, explicando aos cidadãos o funcionamento deste espaço democrático, que tem absorvido, ao longo dos anos, competências que afetam o nosso dia-a-dia.
Não partilho da opinião daqueles que afirmam que a UE é pouco democrática. Afirmaria mesmo o oposto. A UE pode até ser vista como sendo percussora de um sistema de dupla legitimidade democrática. Senão vejamos: para começar, a UE, e a sua ação, é fruto da vontade dos seus Estados-Membros – Estados, esses, que têm governos democraticamente eleitos pelos cidadãos. O Parlamento Europeu é o único parlamento transnacional eleito diretamente pelos cidadãos, representando 450 Milhões de Europeus. Os Comissários Europeus, para além de serem indicados pelos Governos nacionais passam também uma audição no Parlamento Europeu, onde são interrogados pelos deputados, podendo ser validados ou rejeitados, tal como já aconteceu por diversas vezes. A tomada de decisão da UE repousa numa dupla validação democrática: a dos seus Estados-Membros e a do Parlamento Europeu, cujos poderes têm vindo a ser reforçados ao longo das reformas dos tratados.
Para que a legitimidade democrática da UE seja fortalecida, é necessário que o resultado do voto dos cidadãos nas eleições europeias seja valorizado, reforçando, de facto, a sua influência na construção das políticas europeias. Isto é, é preciso dar força à dimensão parlamentar. Para que tal aconteça é necessário que o Parlamento Europeu tenha, de uma vez por todas, um verdadeiro direito de iniciativa legislativa. Este será, no meu entender, um passo importantíssimo na qualificação da democracia europeia. Em paralelo, a transparência na tomada de decisões e a reforma do sistema de voto no Conselho são dois aspetos cruciais para reforçar a confiança dos cidadãos e desbloquear um conjunto de dossiês cruciais para o desenvolvimento do continente.
As primeiras conclusões da Conferência são esperadas para a primavera do próximo ano. Conhecendo a natureza conservadora do Conselho (que terá a última palavra na operacionalização das recomendações da Conferência) é importante estarmos, todos, conscientes que será necessário desenhar um conjunto de compromissos exequíveis, capazes de receberem a luz verde dos Estados-Membros. Como tal, julgo que uma ambição pragmática é essencial para permitir que este exercício de democracia transnacional não acabe numa grande frustração coletiva.