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No seu último livro editado em 2018, Madeleine Albright, antiga Secretária de Estado Americana, afirmava que “ao ficarmos dececionados com a falta de mudança, remetemo-nos ao cinismo e a seguir começamos a pensar se haverá uma forma mais rápida, mais fácil e menos democrática de satisfazer os nossos desejos”. Se há algo que os movimentos populistas perceberam desde cedo é que o descontentamento e frustração dos cidadãos perante certos problemas seria fonte primária de mobilização e capitalização de apoio e, por conseguinte, de votos aquando de eleições.
Não é menos verdade que a mutação rápida das nossas economias, da transformação das nossas sociedades à aceleração dos desafios perante os quais somos colocados, muito à boleia da intensificação do fenómeno da globalização, gerou em várias camadas da população uma frustração crescente e insatisfação perante a falta de respostas aos seus problemas, motivada, em parte, por uma aparente fragilização das instituições políticas e, com ela, um certo recuo do conceito de soberania.
Como a História já nos mostrou em vários momentos, as crises económicas e as suas profundas consequências em matéria de agravamento das desigualdades conferem, muitas vezes, a movimentos políticos e apolíticos uma base ideal para a difusão das suas ideias e recrutamento de apoiantes que nutrem uma crescente desconfiança pelas instituições democráticas tradicionais desafiando, até, alguns dos princípios e valores que constituem o próprio conceito de democracia representativa.
Importa notar que a recente crise financeira de 2008, as desastradas respostas políticas dadas à crise económica que se seguiu e as profundas consequências sociais daí originadas ajudaram muito certamente ao florescimento e reforço de muitos dos movimentos políticos populistas tanto na Europa como no EUA.
Se há dois traços comuns que unem os vários movimentos populistas deste século – muito inspirados, claro está, nos terríveis exemplos históricos do século XX – estes assentam frequentemente em duas premissas: a procura e identificação constante de novos inimigos (chama-se a atenção para esta pequena subtileza: inimigos e não adversários); e o questionamento contínuo das instituições democráticas e da legitimidade da democracia representativa. Se a identificação de inimigos permite encontrar os supostos responsáveis pelo “estado das coisas”, funcionando com um conjunto alargado de bodes expiatórios para todos os problemas – geralmente minorias e até meios de comunicação; o questionamento das supostas “elites políticas” e do funcionamento das instituições democráticas permite fechar o círculo retórico dos populistas cuja intenção é a de criar um confronto constante entre “Nós” e “Eles”, isto é, entre o “Povo e o seu Líder” e os restantes vistos como “traidores”.
Em paralelo, a batalha pela comunicação on e offline através da difusão das chamadas “fake news”, da criação de portais noticiosos online ancorados nas mais impressionantes teorias de conspiração, à partilha viral nas redes sociais de conteúdos manipulados e por vezes violentos têm sido veículos essenciais para promoção de um ambiente tóxico. A opinião pública é deste modo colocada perante um conjunto alargado de estímulos em que a verdade e a mentira se confundem propositadamente, aprofundando o clima de desconfiança, trazendo enormes dificuldades ao esforço de comunicação de Governos e minando no médio prazo as bases do contrato social que permitiu construir o nosso modelo de Estado de bem-estar e as instituições democráticas recentes.
Perante isto, tanto as nossas instituições democráticas, como representantes políticos e a sociedade civil, em geral, têm a responsabilidade de trabalhar em conjunto, lançando as reformas necessárias para modernizar e qualificar as nossas democracias, evidenciando esforças para lutar contra as desigualdades e melhorando a comunicação e transparência da ação pública: este será um esforço determinante para restabelecer a confiança tão necessária para a garantir o desenvolvimento inclusivo e harmonioso das nossas sociedades.
No seu recente livro de memórias, o Presidente Barack Obama afirmava que o que o motivou inicialmente no seu governo foi “acreditar que a ideia radical da política pudesse ter menos a ver com poder e posição e mais com comunidade e ligação”. Ora aqui está uma bela fonte de inspiração para o árduo trabalho que nos aguarda nos próximos tempos.