Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!
Aproxima-se mais um ato eleitoral, porventura um dos mais importantes da história da nossa democracia. Até Março, não estarão em confronto apenas visões distintas para o país, ou formas diferentes de governar e de fazer política. Fundamentalmente, nesta luta eleitoral estarão em causa os alicerces do nosso regime. Assim, mais do que nunca é essencial munir de antemão os eleitores do máximo de informação para que façam uma escolha o mais ponderada possível no momento de depositar o seu voto. Nunca sendo tal desejável, outros momentos houve em que se poderiam tolerar campanhas à base do soundbyte e da politiquice. Nesta, não!
Eis então a chave do que se quer até Março: Propostas, sustentação, substância. Recordo por isso com pouca saudade os microdebates que antecederam as últimas Legislativas. Foram mais de 30 debates, cada um com cerca de meia hora, onde, em modo speed dating, cada um dos líderes partidários se esforçava por passar o soundbyte mais mediático. Para a maior parte dos debatentes, o conteúdo era secundário, até porque era impossível sustentar mensagens num tão curto espaço de tempo. Com a bênção dos moderadores, falou-se do gato Zé Albino, de politiquices, repetiam-se sistematicamente temas todos os dias. No final de cada debate, analistas comentavam cada detalhe e atribuíam vencedores. Verdadeiramente, estes microdebates transformaram-se num programa diário de entretenimento, o qual os portugueses poderiam assistir levianamente como se do Big Brother ou do The Voice se tratasse. E diga-se que, efetivamente, estas foram transmissões muito satisfatórias para as televisões, pelo menos a avaliar pelo (enorme) número de espetadores.
Contudo, a política deveria ser muito mais do que entretenimento, nalguns debates bem rasca. Decidir o futuro do país deveria ser, isso sim, um exercício de cidadania. Assim, para o eleitor interessado e preocupado com Portugal, os debates foram pouco mais do que uma perda de tempo. Um eleitor indeciso tem interesse em saber se o PSD está disposto a conversar com o Chega, mas não precisa de ouvir os líderes partidários discutirem sobre este assunto todos os dias ad nauseam, fazendo uso da sua criatividade semântica para não repetir palavras. Ao invés, um eleitor interessado quer saber o que defende cada partido na saúde, na habitação, na fiscalidade, na educação, na justiça... Por isso, para o eleitor interessado, os microdebates foram apenas uma fonte de frustração, sobretudo porque foi tudo explorado pela rama mas ninguém concretizava uma ideia. Não há como dizer de outra maneira: o formato transformou os debates em completas inutilidades.
Com este longo prelúdio, introduzo uma ideia e um desafio que quero lançar às televisões. Neste período eleitoral que se avizinha, sejam arrojados no formato dos debates. Em vez de microdebates genéricos entre apenas dois candidatos, o meu desafio é que sejam organizados debates setoriais com todos os candidatos presentes. Debates mais duradouros e em que o foco seja um único tema. Por exemplo, num determinado dia, debate-se apenas saúde. Então, nesse dia, todos os partidos terão oportunidade de comunicar aos portugueses a sua visão e as suas propostas neste setor, com calma, com argumentos sólidos, contrapondo diretamente as propostas dos adversários. Noutros dias, repetia-se o exercício com outros temas, tantos quantos as televisões tiverem interesse. E atenção, também há certamente espaço para a politiquice e para os fait divers, até porque, lá está, os eleitores merecem saber a política de alianças que poderá surgir após o dia 10 de Março. Contudo, para isto, basta um debate, não são precisos 30.
Só vejo vantagens neste formato. Os jornalistas estarão melhor preparados porque se poderão focar num só tema. Os líderes partidários poderão desenvolver as suas ideias ao invés de as comunicarem através de meias-palavras e subterfúgios. Com isto, os eleitores ficarão muito melhor elucidados das repercussões da sua cruz no boletim de voto. Nem sequer se pode dizer que tal requeira mais horas de transmissão. Contas de merceeiro, multiplicando 30 debates por meia hora, tivemos pelo menos 15 horas de transmissão televisiva em 2022. As mesmas 15 horas permitiriam 10 debates temáticos de hora e meia, mais que suficiente para explorar profundamente alguns dos grandes temas da nossa sociedade. Por exemplo, 1) saúde, 2) educação, 3) habitação, 4) economia e fiscalidade, 5) trabalho e segurança social, 6) justiça, 7) defesa e política externa, e ainda sobrariam três debates para explorar outros temas como cultura, ambiente, grandes obras públicas, reforma político-administrativa e, claro, as supramencionadas politiquices. Não tenho dúvidas, seriam 15 horas muito mais produtivas do que as de 2022.
Fica enfim o desafio para as televisões generalistas. Para berraria, pessoas a falar em simultâneo e momentos espalhafatosos, os espetadores já têm os reality shows e os programas sobre futebol. No debate político, quer-se elevação e dignidade. Num momento tão crítico da nossa vida coletiva, o meu apelo é que a comunicação social saiba estar à altura da sua responsabilidade, pois não há quem melhor possa fazer o papel de árbitro. O resto ficará por conta dos portugueses.