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2 de Junho de 2023. Sexta-feira, já passava da hora de jantar, quando súbita e inesperadamente a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública suspende a emissão de Certificados de Aforro. Este instrumento financeiro, que durante anos fora inútil, tornou-se atrativo com o aumento galopante da Euribor. Para mais, num país com tão fraca literacia financeira generalizada, sendo os Certificados de Aforro tão fáceis de subscrever, rapidamente os portugueses perceberam que podiam ganhar dinheiro colocando as suas poupanças lá.
Só que há um inconveniente. Para ganharem as pessoas, perdia a banca tradicional, que via as poupanças de muita gente serem desviadas dos miseráveis depósitos a prazo. Num mundo normal, isto forçaria os bancos a agir, forçá-los-ia a aumentar as taxas de juro com vista a estancar a corrida às poupanças. São as maravilhas da concorrência, diria qualquer liberal mais ou menos convicto. Só que a banca é povoada por lambões. Queriam sol na eira e chuva no nabal. Queriam continuar a receber bem por tudo aquilo que fica mais caro com o aumento da Euribor, mas queriam continuar a pagar mal a depositantes (que ninguém se deixe enganar pelos supostos novos produtos que os bancos oferecem, com taxas mais altas, mas apenas durante uns meses e sujeito a uma série de condicionantes). Verdadeiramente, para os bancos, a solução para o problema era acabar com os Certificados de Aforro.
Assim aconteceu. Depois de queixas variadas vindas de várias pessoas ligadas à banca, a última das quais João Moreira Rato (que liderava o Banco CTT), o governo acabou com a Série E de Certificados de Aforro, substituindo-a por uma série bem menos atrativa. A desculpa dada pelo secretário de Estado das Finanças é que ficava mais caro pagar Certificados de Aforro do que ir aos mercados. Esta já era uma desculpa esfarrapada antes, pois ignorava todas as externalidades positivas dos Certificados de Aforro, mas agora soube-se através da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, que nem sequer é verdadeira. Resumidamente, o governo mentiu aos portugueses, prejudicando-lhes a vida. Tudo para satisfazer o lobby bancário.
16 de Fevereiro de 2023. É anunciado, com pompa e circunstância, o pacote Mais Habitação. Enfim, os problemas de habitação não são novos em Portugal e em especial Lisboa, e resultam de uma série de problemas. Constrói-se pouco, a burocracia associada dá cabelos brancos a qualquer um, ainda não se resolveu a situação das rendas congeladas. Enfim, problemas antigos que o boom do turismo veio exacerbar.
Contudo, em termos urbanísticos, o turismo também teve consequências positivas. Uma das mais óbvias é que deu incentivos para que se reabilitassem os centros históricos de Lisboa e Porto, que há 15 anos faziam corar de vergonha os portugueses de tão degradados que estavam. Muitos portugueses aproveitaram assim para dar uma nova vida a imóveis degradados, rentabilizando-os através de alugueres de curta duração num formato de Alojamento Local. Só que, além de dinamizar os centros históricos, a explosão do AL permitiu também democratizar o lucro do turismo. Ao alojar-se no AL, os turistas foram alimentando muitos pequenos negócios, dando a pessoas de classe média um rendimento bastante atraente.
Só que há um inconveniente. Para ganharem estes pequenos empresários, perdiam os grandes grupos hoteleiros. Com a dispersão dos turistas no AL, geralmente mais baratos, os grupos hoteleiros têm uma concorrência indesejada que lhes rouba quota de mercado, daí que durante muitos anos tenham sido eles os mais vocais opositores do AL. Assim, para os grupos hoteleiros, solução para o problema era óbvia: Acabar com o AL.
Assim aconteceu. Com o pacote Mais Habitação, o AL é fortemente dificultado. Diz o governo que quer aumentar o parque habitacional, ignorando 1) que o problema do excesso de AL está muito localizado em meia dúzia de freguesias, 2) que antes do AL, muitas dessas casas não eram habitáveis porque estavam bastante degradadas, e 3) que o próprio Estado é o maior proprietário de imóveis inutilizados em Portugal. Enfim, todo o pacote é questionável, mas, mesmo eu discordando profundamente desta medida em particular, tenho de reconhecer que é uma opção política perfeitamente legítima. Todavia, o mais curioso é o governo argumentar que o AL ocupa uma área muito grande que podia ser direcionada para habitação, mas ao mesmo tempo autorizar a abertura de dezenas de novos hotéis. Ora, os hotéis ocupam espaço, o que demonstra que o ataque cerrado ao AL nunca foi por uma questão de aumentar o parque habitacional no mercado de arrendamento. Foi, ao invés, uma forma do Partido Socialista satisfazer o lobby hoteleiro.
2 de Julho de 2020. O então Ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, anuncia a nacionalização da EFACEC. A EFACEC é uma das grandes empresas nacionais, mas já há vários anos que se encontra em declínio. Com as questões judiciais que envolviam Isabel dos Santos, a EFACEC corria o risco de cair. Ainda assim, tendo valor económico, não era improvável que pudesse ser comprada por investidores. Em qualquer dos casos, não haveria dinheiro dos contribuintes envolvido. O problema seria, em última instância, de quem manda na empresa.
Só que há um inconveniente. Quer a EFACEC falisse, quer a EFACEC fosse comprada por outrem, o mais provável é que os seus credores tivessem de assumir perdas. É verdade que perder faz parte das regras do jogo, faz parte do risco que se corre quando se empresta dinheiro nos mercados, mas alguém gosta de perder dinheiro? Assim, na ótica dos credores, qual seria a melhor solução para o problema? O Estado nacionalizar a EFACEC.
Assim aconteceu. O governo nacionalizou a EFACEC e, como o negócio do Estado não é fazer painéis solares, o objetivo seria sempre reprivatizá-la. Ora, é aqui que começa todo o imbróglio. Após gastar dinheiro dos contribuintes a nacionalizar a EFACEC, o governo está politicamente proibido de a deixar cair, tal seria demasiado escandaloso. Ao mesmo tempo, a EFACEC dá prejuízos todos os meses, pelo que o governo tem urgência em reprivatizá-la. Contudo, qualquer acordo de venda só pode acontecer havendo acordo com credores (assumido pelo próprio Ministro António Costa e Silva). Só que os credores não são estúpidos. Como sabem que o governo está de calças na mão, sabem que têm todas as condições para exigir o que lhes aprouver. No limite, podem exigir que o Estado assuma todos os prejuízos. Por isso, se para os contribuintes o negócio EFACEC é uma trapalhada desde o início, na ótica dos credores, a nacionalização foi a melhor coisa que lhes podia ter acontecido, pois podem exigir ao governo aquilo que não podiam exigir a mais ninguém.
2 de Julho de 2020. No mesmo dia do negócio EFACEC, o governo anunciou também a nacionalização da TAP. Afinal de contas, como António Costa outrora afirmou, a TAP é o equivalente às caravelas dos séculos idos, pelo que salvar a TAP era necessário para manter a ligação de Portugal ao mundo.
Enfim, discordando eu desta importância toda que se dá à TAP, para salvar a TAP, o governo tinha duas opções. A primeira opção era simplesmente nacionalizar a TAP, assumindo todas as suas dívidas. Na segunda opção, o governo deixaria falir a TAP e criaria uma nova companhia aérea ao lado, que compraria aquilo que a TAP tem de valioso, mas ficando livre de dívidas. Atenção, ninguém está aqui a inventar a roda, porque esta segunda opção foi precisamente aquilo que fizeram os italianos com a antiga Alitalia, entretanto vendida à Lufthansa.
Na prática, ambas as opções levariam ao mesmo desfecho: o Estado possuiria uma companhia aérea de bandeira pública. Contudo, a segunda opção teria ficado muito mais barata para os cofres do estado. A questão que se coloca é: porque é que o governo optou pela primeira opção? É que a segunda opção seria mais vantajosa para todos, exceto para... os credores da TAP. Não preciso de me repetir, pois os argumentos aplicados à EFACEC aplicam-se aqui também.
Em todos estes casos e talvez noutros que não me recordo, ao invés de procurar agir e/ou legislar tendo em conta o que é vantajoso para os seus cidadãos, o governo optou por ceder a lobbies. Cedeu aos bancos, cedeu aos hotéis, cedeu aos grandes credores do mercado, cedeu enfim ao peixe graúdo. Cedeu, e cederá. Em vez de proteger os mais frágeis, leia-se os pequenos aforradores, os pequenos empresários, empreendedores no sentido lato inconformados com a situação letárgica do país, o governo protege aquilo que chamam o "Grande Capital". Assim se desconstrói um mito muitas vezes propagandeado: o Partido Socialista não governa para os mais frágeis da sociedade, governa para quem tem poder. O socialismo? A igualdade? São apenas verbos de encher para enganar quem gosta de ser enganado.