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Por volta de 1540 em Portugal, existia um sapateiro chamado Gonçalo Annes Bandarra, que não era um sapateiro comum, este era diferente, era um vidente, um profeta que fazia seus presságios em forma de versos, as famosas trovas do Bandarra.
Nesses poemas ele anunciava o retorno de um rei, O Encoberto, que haveria de vir a Portugal a salvar o reino e instaurar uma nova era de prosperidade, justiça e paz, o tão ansiado Quinto Império. Pouco tempo depois, em 1578, o jovem rei Dom Sebastião, autodenominado Capitão de Deus, munido de fervor religioso e militar emprendeu uma cruzada e partiu para o Marrocos e de lá na Batalha de Alcácer-Quibir some e nunca mais volta a ser visto.
Sem o rei, inicia-se em Portugal uma crise política, social e econômica. Daí, em meio ao desespero nasce no povo a esperança e a crença de que o rei que profetizara o Bandarra, era na verdade Dom Sebastião e que ele iria voltar numa manhã por dentre as brumas para restaurar a ordem e acabar com toda aquela tragédia.
Essa parece ser uma história muito antiga, uma lenda muito remota e sem sentido com a nossa atualidade, até porque somos Brasil e lá é Portugal. Mas veja que a lenda, assim como os portugueses, atravessou os mares, os tempos e povoou o Brasil de norte a sul. No séc. XIX em Canudos, no sertão da Bahia, camponeses atiçados por Antônio Conselheiro clamavam pela volta do rei Dom Sebastião para que ele os ajudasse na luta contra a República, o rei não veio, mas o resultado sim, foram mais de 25 mil mortos.
Em 1912 na região do Contestado, hoje Santa Catarina, um “santo monge” de nome José Maria, que dizia lutar ao lado dos pobres e dos desfavorecidos, se rebelou contra a dominação da República e instaurou uma monarquia celestial, que também tinha por fundamento a vinda do rei Dom Sebastião, o rei também não veio, mas o resultado, impiedoso como sempre, chegou e foram mais de 20 mil mortos. Essa crença, essa esperança, esse ideal, passou de geração a geração, ano a ano e foram muitos os que tomamos por Dom Sebastião, nos venderam Getúlio, Jango, Collor, Lula e agora Bolsonaro.
A razão está enredada. Para explicar o porquê todos foram os nossos sebastiães e agora o presidente Bolsonaro o é, se faz necessário analisar antes de tudo o Bandarra. O que defendia este vidente? Meus caros, ele defendeu o que todos defendem, os próprios interesses. Em 1530 a vila de Trancoso, onde ele era habitante e tinha seu negócio, corria o risco de ter de pagar mais tributos, pois deixaria de pertencer ao rei e passaria a um duque, o que implicava em maior tributação, então ele num rompante de indignação e criatividade fez as famosas trovas pedindo que o rei voltasse a se assenhorar destas terras e assim ele pagaria impostos menores. Mas como naquela época e em todas outras já haviam as infames fakenews, quem contou um conto, aumentou um ponto, e o que era local virou nacional, atravessou o Atlântico e chegou até os dias de hoje.
Outro personagem que também é essencial entender é o próprio Dom Sebastião. O mito, neto do grande rei Dom João III, foi um bebê muito desejado, pois representava a continuidade da Dinastia de Avis. Educado pelo tio, o Cardeal D. Henrique, O Casto, foi doutrinado a pensar que era especial e imbuído de um sonho de grandeza, acreditava ser o escolhido, o príncipe cristão que empunharia a espada que faria sofrer todos os pagãos. Teve uma educação muito rígida, tradicional e profundamente religiosa. Aos 24 anos, mesmo sabendo do presumível fracasso de sua empresa, uma vez que já tinha a informação de que não poderia prosperar, já que sua posição era fraca diante da força numérica dos inimigos, mesmo advertido por políticos experientes, incapaz de ouvir, intolerante e armado de fé em si mesmo, se lançou à ruína e mais que isso, trouxe-a ao seu povo culminando no declínio do reino e no fim da Dinastia de Avis.
Hoje todos estes personagens históricos estão entre nós e povoam o cenário político nacional brasileiro. Vieram como anunciado, numa manhã de nevoeiro. O que seria a manhã? A manhã como todos sabem é o momento compreendido entre as seis e a um para o meio dia, é o período em que muitos acordam, uns atrasados outros a tempo, é quando o povo levanta e sai de suas casas e enfrenta o dia a dia. E o nevoeiro? O nevoeiro é a ausência de clareza, a confusão, o obscuro, as tramóias e porque não dizer as fakenews? A manhã é o acordar e o nevoeiro é a mentira.
Portanto, cá vamos nós acordando em meio a tantas mentiras que nos são contadas diariamente. Mentiras estas contadas pelos Bandarras, pelos fariseus, profetas viciados e mercantilistas da fé, cujo início e fim de seus sermões é a própria ganância por poder, dinheiro e fama. Pelo Cardeal, que desde a Virgínia lança sua doutrina fria e preconceituosa conspurcando a frágil sociedade nacional. Pelos militares movidos por um nacionalismo cego, uma subserviência com o ilícito e a falta de projetos inclusivos.
E por fim, por ele, o nosso Dom Sebastião, obtuso, primário, inculto, cheio de si, o Messias que veio nas brumas da desordem nacional, ludibriar o povo com promessas de mudanças, perseguição à corrupção, trazer prosperidade, santificação e resolver tudo isso que tá aí. Mas sabemos e vemos que não trouxe, nem trará nada disso. Assim como os outros que vieram antes dele, trouxe antes, mais do mesmo, alianças com corruptos e o reino absoluto da hipocrisia e da mentira. Tudo isso já existia, é sabido e notório. Mas ele vendeu-se como o Capitão de Deus. E fez e faz coisas que estão muito longe dos preceitos cristãos.
Então meus caros, há de ser ele o nosso D. Sebastião, mas não vai ser ele o nosso salvador. "Opinione mortuum, vivum repertum". Todos achavam que era apenas uma lenda, mas não, é parte da nossa história e segue viva na psique nacional. Mas afinal, parece tudo tão confuso, ele é ou não é o tal Dom Sebastião? Ele vem ou não vem? Amigos, ele é e não é, ele vem e não vem. Ele é intolerante, fanático e impulsivo. Ele não é o ungido, o incorruptível ou o salvador. Ele vem sim, para oprimir, enganar e iludir. Ele não vem para salvar, libertar e reconciliar, tal e qual o rei Dom Sebastião. Temos de assumir que entendemos errado, o Dom Sebastião imaginado difere do humano cheio de defeitos. Mais uma vez ficamos à deriva a espera da salvação.
O esperar pela salvação, eis aí todo o mal que persiste em nossa gente. A espera do Salvador que vai resolver todos os males da nossa sociedade, o sonhar acordado, relegando a outrem a difícil tarefa de lutar, conquistar e manter direitos. Conforme o saudoso professor José Hermanio Saraiva condensara impecavelmente: estamos a “...esperar por uma salvação que não dependa de nós, é esta atitude tímida e pusilânime, que pode não concordar, mas no fundo sempre aceita. Que vai murmurando, mas afinal se resigna. Que sonha, mas não luta. Que se lamenta, mas não trabalha. Que quer atingir um resultado, mas não aceita palmilhar o caminho. Que quer usar anéis nos dedos, mas não aceita ter calos nas mãos. É a tendência no Messias que há de vir do sul ou do norte, do leste ou do oeste e que acabará por nos salvar. Em todo o caso, que o Messias não tenhamos de ser nós. A salvação pelo qual esperamos, mas que no fim não estamos dispostos a construir pelo trabalho obstinado e duro, é a única via de salvação aberta a qualquer povo. Qualquer que o povo seja.”
Dessa maneira fica claro que é essa negligência o erro fundamental da nossa sociedade. A construção de um país, de uma sociedade é de todos e começa no quarto, depois na casa, depois na rua, depois no bairro, depois no município, depois no estado e por fim na nação. Tudo nasce e cresce de baixo pra cima, nada que é imposto de cima prospera. Por isso, as grandes mudanças nascem no seio do povo, não no palácio. Primeiro mudemos nós, depois, exigimos deles. Sejamos nós os verdadeiros salvadores da pátria.