
Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!
Francisco Guerreiro, eurodeputado dos Verdes/Aliança Livre Europeia (ALE), considera que o acordo alcançado, tanto para o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) (1074 mil milhões) como para o Fundo de Recuperação (FR) (750 mil milhões euros), na madrugada de hoje, é o possível, mas está longe de ser o necessário.
O eurodeputado lamenta cortes nos programas de mitigação dos impactos das alterações climáticas e de reposta à crise da biodiversidade, a ausência de menção ao cumprimento do Estado de Direito para receber fundos, de preparação para futuras pandemias na União Europeia (UE), para relançar de modo sustentável a economia e, por fim, para garantir que a Europa se mantenha coesa e reforce o mercado interno contra choques macroeconómicos.
Se por um lado, a histórica decisão de permitir de facto Eurobonds, no valor global original de 750 mil milhões (mm) € é de louvar, o que se teve de abdicar para o conseguir é globalmente negativo: cortes em programas essenciais como o Fundo para a Transição Justa, na Saúde, Investigação e Erasmus; enfraquecimento quase total da condicionalidade de respeito pelo Estado de Direito para se poder aceder aos fundos; introdução de um direito pelo Conselho de quase “veto” aos Estados-Membros (EM) na atribuição das subvenções do FR.
Esta mutualização da dívida é um marco na história da construção europeia e apesar de variáveis menos aceitáveis pode, juntamente com o razoável tamanho do pacote global, ser suficiente para impedir uma nova crise das dívidas soberanas dos países em mais dificuldade e do próprio euro.
A repartição entre subvenções e empréstimos foi o grande ponto de discórdia. A Comissão Europeia e grande parte dos países queriam um pacote com 500mm€ em subvenções e 250mm€ em empréstimos. Um grupo de países cognominado de “frugais” partiram duma posição agressiva de zero subvenções. No final aceitaram um FR com 390mm€ de subvenções e 360mm€ de empréstimos.
À primeira vista, pode parecer que os ditos "frugais" perderam em toda a linha mas, além de um QFP mais reduzido, conseguiram (como é comum num Conselho Europeu) receber ainda mais dinheiro nos famosos “rebates”, descontos que alguns Estados-membros recebem às contribuições que tem de fazer anualmente para o Orçamento comum: Dinamarca poupa 155 milhões extra, Áustria 278 milhões, Suécia 246 milhões e Países-Baixos mais 245 milhões somando anualmente 1.921 milhões de euros de “rebates”.
Um dos pontos positivos foi a salvaguarda do compromisso de passar para 30% o mínimo de investimentos tanto no QFP como no FR que forçosamente terão de ser destinados a ações de combate às alterações climáticas e de proteção do Ambiente.
Para Portugal o acordo é comedidamente positivo e representa um valor global de 55.900 milhões de euros nos próximos 7 anos. Do plano de Recuperação virão 15,3 mm€ em subvenções e ainda a possibilidade de 10,8 mm€ de empréstimos. Do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 virão, nos diversos programas (PAC, Erasmus, Horizonte, FEDER, etc…) 29,8 mm€.
Para utilizar em pleno todas as verbas Portugal terá de melhorar consideravelmente a sua execução e aumentar a capacidade (de execução) para 6,4 mm€ por ano. O grande desafio para o país é evitar o crescente endividamento público e privado nos próximos anos e garantir que por cada euro gasto de fundos ou empréstimos europeus ele se multiplique e que garanta a criação de empregos sustentáveis e duradouros.
No geral o acordo tem pontos positivos, apesar de não ser o desejável aos olhos dos Verdes/ALE, e revela a capacidade dos líderes europeus em chegar a um consenso quando enfrentam uma crise. Cabe agora ao Parlamento Europeu, nas negociações, defender o fortalecimento da condicionalidade do respeito pelo Estado de Direito, repor os cortes nalguns programas-chave e forçá-los a concretizar o plano de recursos próprios (taxa digital, plásticos, transações financeiras) para que no futuro, não precisemos destes estratagemas para termos um orçamento robusto.