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Quem diria que um dia eu iria chorar por ruínas.
Cada vez que vou de férias faço uma visita à minha aldeia e àquelas ruínas que guardam as memórias do meu passado.
Uma criança que corria pelo campo, muitas vezes em lágrimas, que corria para os braços das pessoas velhinhas.
Quantas vezes me diziam que vais ter que lutar muito, não chores mais pois estamos aqui para te ajudar.
Nunca te esqueças destas palavras.
Um dia, quando fores mulher, lembra-te sempre, mesmo que tenhamos já partido, promete que te vais lembrar e recordar estas palavras.
É verdade que sinto saudades de todos eles e das suas histórias, bem como do que aprendi com eles. Saudades de uma aldeia onde tanto sofri juntamente com os meus irmãos e com a minha mãe.
Queria fazer algo por aquelas pessoas que tanto trabalharam no campo. Preservar em nome deles, algo que construíram com tantas horas de trabalho.
Por exemplo o espigueiro que está junto à casa em ruínas.
Como gostaria de o poder recuperar para que a aldeia ficasse mais bonita e por outro lado honrar a minha aldeia e o nome das pessoas do campo que tanto carinho me deram.
Daquele lindo espigueiro guardo uma fotografia e as recordações que trago no coração. Entrar naquele canastro, como se diz na minha aldeia, depois de reconstruído seria como viajar no tempo e regressar ao passado. Por ali brincava com bonecas que não tinha. Por vezes até adormecia ao som da chuva.
Como gostava de ouvir o vento forte que de fora soprava. Quantas vezes a minha mãe por mim chamava, mas eu não respondia porque depois ela não me deixava regressar para brincar no canastro.
Trata-se de algo antigo e construído pelas pessoas da minha aldeia.
Mas o amor pelo dinheiro desfaz os homens e mata os sonhos. Depois fica o vazio porque o dinheiro não dá felicidade.
Tantas vezes penso como gostaria de comprar aquele espigueiro, recuperando o que está em ruínas, para mais tarde a minha aldeia ser lembrada. Tantas vezes brinquei de pés descalços em cima das espigas de milho, para não o sujar, dentro daquele canastro em dias de chuva. Mais tarde o milho seguia para os moinhos de onde saía a farinha para fazer pão e cozer nos fornos a lenha.
Quando soube que o espigueiro ia ser vendido juntamente com uma casa em ruínas, os meus sonhos voltaram a nascer. Tudo fiz para recuperar o espigueiro onde brinquei em criança, para o reconstruir.
Hoje a casa próxima do canastro está em ruínas. Foi naquela casa que dei os meus primeiros passos. A casa não era nossa nem o canastro. Os meus pais eram os caseiros e faziam aquelas terras.
Eu não entregava o milho, mas ficava a brincar no canastro à espera dos meus pais. Tinha uma galinha que me acompanhava para todo o lado. Eu não a deixava entrar no canastro, mas tirava grãos de milho de uma espiga e dava-lhe para ela comer.
Por vezes a minha mãe dava conta e fechava a galinha juntamente com as outras. A galinha já comeu das tuas mãos, dizia.
O milho seguia para o moinho para fazer a farinha e depois para cozer o pão. Entretanto ficava sozinha a brincar no canastro.
Um dia, para minha surpresa, a minha mãe fechou a porta com um arame. Como eu era pequenina, não conseguia chegar ao arame, nem sequer podia contar com a ajuda dos meus irmãos, porque iam contar à minha mãe.
Tive uma ideia: passei a brincar debaixo do canastro, construído sobre quatro pedras grandes em forma de mó.
Um dia perguntei à minha avó porque se construíam assim os canastros. Ela respondeu que aquelas pedras impediam a subida dos ratos e assim o milho ficava protegido.
Foi então que eu reparei num outro grande canastro de uma vizinha que também foi construído assim.
Apesar de ainda muito pequenina, as pessoas da minha aldeia perguntavam-me porque se construíam assim os canastros. Eu respondia para que os ratos não pudessem roubar o milho. Soltavam grandes gargalhadas e perguntavam como é que os ratos iam roubar. Talvez levassem um saco às costas.
Como era pequenina ficava sem resposta para dar. Dizia simplesmente que já tinha visto os ratos no campo a comer o milho.
Um dia a vizinha mandou-me entrar no seu canastro. Pediu para eu apanhar umas espigas de milho para um saco. Mas que rapidez ela tinha, pois esfregava uma espiga na outra e o milho caía num balde.
Eu bem tentava seguir os seus gestos, mas não conseguia. Ela respondeu porque as minhas mãos eram pequeninas.
Eu tinha que arrancar grão a grão para tirar o milho da espiga. Ela respondeu que aquele milho que eu tirei da espiga o podia levar para a minha galinha. Respondi que a minha mãe não ia deixar. Ela com um belo sorriso nos lábios disse que aquele não era o milho da minha mãe. Aquele era o milho dela, por isso podia dar para a minha galinha.
Com o milho num pequenino saco fui dar para a minha galinha comer. De repente surgiram todas as galinhas e a minha galinha pouco comeu. Lembro-me como se fosse hoje.
Talvez um dia venha a concretizar o sonho de voltar ao canastro, dizia emocionada.
Aqueles tempos difíceis marcaram a minha infância. Estranhamente ficou a saudade comigo.
Claro que quando cresci, compreendi que a culpada da mágoa não era a aldeia, mas sim do ser humano.
À minha aldeia irei voltar sempre, tantas vezes quantas a vida me permitir.
Fecho os olhos e sinto aquele suave vento que são as mãos deles que me tocam no rosto e nos cabelos: os velhinhos da minha aldeia.