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Foi com grande raiva que li as notícias sobre anulação de grande parte dos votos da diáspora. Não só porque o meu voto provavelmente também foi anulado, mas porque é mais um sinal do desprezo de Portugal pela sua diáspora. Passado algum tempo, com a cabeça mais fria, tentei perceber porque motivos as eleições na diáspora têm sempre “acidentes” e a abstenção é tão elevada. Esta reflexão resultou numa série de cinco artigos, de este é o primeiro, em que tento descrever os problemas que afectam o voto da diáspora e propôr soluções.
Não há lua como a de Janeiro, não há eleições na diáspora sem asneiro. O ditado não é bem este, mas bem podia ser. Com a precisão e regularidade de um general prussiano, o governo português tem conseguido arranjar forma de asneirar quando se trata de organizar eleições com os portugueses no estrangeiro. Quando este tipo de trapalhadas ocorrem nos EUA, temos editoriais inflamados nos jornais portugueses contra o "voter suppression" e a máfia do "gerrymandering". Mas como se passa em Portugal, em dois círculos eleitorais com "só" um milhão e meio de eleitores, tivemos direito a uma fugaz nota de rodapé.
Mutatis mutandis, o espetáculo circense deste ano foi, no essencial, uma repetição das últimas legislativas de 2019. A maioria dos emigrantes não recebeu o boletim de voto, dos que o receberam poucos se deram ao trabalho de votar. E dentro destes houve quem o devolveu sem a bendita fotocópia do cartão de cidadão. E finalmente no dia da contagem, o PSD exigiu a anulação de votos que vinham sem a tal fotocópia. Entre as eleições de 2019 e as de 2022, a diferença é só a escala com que se anularam os votos. A uma escala de tal forma escandalosa, que o Tribunal Constitucional as mandou repetir no círculo da Europa.
Em 2019 foi anulado um voto em cada cinco, fazendo dos nulos a terceira força política pela emigração. Um pouco mais de fervor legalista e os nulos tinham ultrapassado o próprio PSD na votação. Já em em 2022, o PSD conseguiu anular quatro em cada cinco dos votos no círculo da Europa. Notável, e suponho que a ambição do PSD seja daqui a 4 anos anular a totalidade do voto emigrante, elegendo 4 lugares vazios. Que suspeito certamente não fariam pior que os setenta e poucos deputados que o PSD agora conseguiu fazer eleger.
Mas se o PSD parece ter queda para ser o bombo da festa, convém não esquecer os outros foliantes. Desde logo a Comissão Nacional de Eleições por permitir que a festa tenha lugar, o Presidente da República que se remeteu ao silêncio sobre este assunto. E só o quebrou para se mostrar espantado com a repetição do voto. Para quem deve ser o garante constitucional do país, convenhamos que é poucochinho. E claro o governo PS por manifesta incapacidade de organizar eleições. Desde a incapacidade em atualizar os cadernos eleitorais à hercúlea tarefa de enviar o boletim de voto por correio, o governo falhou redondamente. Durante os últimos seis anos de governo PS, realizaram-se duas eleições legislativas, duas presidenciais (onde o voto ainda é presencial) e umas europeias. Oportunidades não faltaram para tomar nota dos erros e corrigi-los. Mas para isso é necessário, primeiro que tudo, ter vontade de mudar o que está mal.
E será que algo irá mudar ? Este ano o círculo da Europa elegeu, pelo PS Paulo Pisco, mantendo a tradição de o eleger sem interrupção desde 2012. Já o PSD, que durante mais de 15 anos teve exatamente as mesmas caras pela emigração, este ano elegeu Ester Vargas. Os dois estiveram recentemente no Observador a trocar acusações sobre o sucedido. Já sobre o que poderiam ter feito para o evitar, nada disseram. Percebe-se, porque a única contribuição do PS e PSD foi terem atamancado uma lei com exigências que se cumprem quando dá jeito.
Este desastre eleitoral surpreende apenas quem tenha nascido ontem. Os portugueses cá fora representam pouco mais de 16% dos eleitores, mas pesam menos de 2% nos deputados da Assembleia da República. Divididos em dois círculos, cada um com apenas dois deputados, o método de Hondt garante que apenas o PS ou PSD tenham hipóteses reais de eleger. Acrescente-se abstenções típicas na casa dos 80%, e o resultado são dois círculos eleitorais onde os partidos não querem investir em campanhas. E eleições sem concorrência ou alternativas reais pouco mais são do que uma formalidade. Tal qual as as eleições no Estado Novo, realizadas com uma regularidade única na Europa do século XX apenas para inglês ver.
E se fosse possível mudar, que alternativas temos ? A de mais fácil implementação seria simplesmente acabar com os círculos da emigração. “No vote, no problem”. Simples, não é ?
Nelson Gonçalves