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E se…?
Somos tantas vezes resgatados do senso comum por esta pergunta. Por esta e por tantas outras que dão à nossa inteligência o poder de formular hipóteses, de sonhar e de desejar ir mais além por curiosidade.
Existem as perguntas intemporais da filosofia e depois existem as nossas: “e se...”, perguntamos nós todos, com a mesma vontade de saber, mas mudando, de um para o outro, o alvo das nossas interrogações. Nestas explorações desordenadas que andam à deriva na nossa imaginação, não sei se serão essenciais as respostas. Criamos uma subjetividade pessoal que não pretende alcançar uma verdade e descansar nela, mas sim esticar a realidade que conhecemos para lá dos limites do tangível.
Somos animais sem nenhum dom específico, a não ser o de pensar. De ter inteligência, como muitos dizem. Fazemos questionamentos sobre o que existe e, essencialmente, sobre o que não existe, nunca observando esta necessidade do abstrato em nenhum outro grupo de seres vivos do reino animal.
Numa experiência na década de 1930, um chimpanzé e um bebé foram criados juntos na sequência de um impulso curioso de dois psicólogos: “E se um primata, ao crescer junto de humanos, passa a agir como eles?” Dizem que o processo de aprendizagem das crianças passa pela imitação do que observam à sua volta, e posso correlacionar essa premissa ao resultado deste estudo, sendo que o bebé humano passou a imitar alguns comportamentos do macaco e não ao contrário, como se previa inicialmente.
Sendo que não nascemos como o animal mais veloz, mais forte ou com a visão mais aguçada, entre infindáveis outras características que não fazem parte da nossa biologia, pergunto-me: E se a nossa inteligência servir, então, para aprender e tentar mimetizar as características mais poderosas dos outros animais? E se a grande função do nosso intelecto for, após momentos de observação, apreender capacidades que reconhecemos como extraordinárias dos outros seres vivos? E se a inteligência for um dom para aprender tudo com todos?
Se essa for a sua grande função, podemos achar que a nossa inteligência já trabalha a nosso favor, como é o caso das invenções tecnológicas que encontram na natureza fonte de inspiração, como por exemplo, na forma dos aviões que tentam mimetizar a biodinâmica dos pássaros. Também podemos achar que, quanto mais civilizados somos, menos animais parecemos, e, portanto, menos necessidade de relação com a natureza temos. Mas desde sempre usamos a pele dos animais como forma de aquecimento do nosso corpo, sendo que, atualmente, pode ser visto como um sinal de posse financeira, na medida em que existem opções mais económicas que nos oferecem vestuário.
Sim, talvez já façamos isso em certa medida. Mas será que a nossa capacidade de mimetização consegue responder a outros assuntos além da necessidade humana imediata? E se o que nos cativa não está mais na superfície consciente, senão em alguma esfera do subconsciente? O que têm os seres vivos que tanto nos cativam, além fisionomia e instintos?
Voltamos ao abstrato, pois é numa esfera de compreensão mais holística que conseguiremos nos aproximar das narrativas subliminares da natureza, que ainda guarda os seus mistérios.
Agostinho da Silva expressou numa entrevista que “o divino deve ser adorado em toda a sua plenitude sem ser restrito a personagens que convêm a um momento ou a uma circunstância.”
Denoto qualidades nos seres vivos que ultrapassam as suas necessidades de sobrevivência. Há certamente, não apenas em grupos exclusivos de seres vivos, mas em todos eles, ensinamentos que nos possibilitariam uma reaprendizagem de nós mesmos. Com a pressão civilizacional a que somos submetidos, perdemos grande parte da nossa capacidade abstrata espontânea, culminando numa padronização de maneiras de pensar, comportamentos, estilos de vida, etc.
Denoto que, para as árvores, a chuva é apenas um fenómeno. Não existe incómodo, tristeza nem alegria. É um fenómeno que, tal como o sol, permite-lhes ter contacto com os elementos que possibilitam a vida. São fascinantes porque nelas paira, além da chuva ou do sol, um mistério que nos atrai, talvez por aparentarem sempre uma resiliência imperturbável. Presas ao chão sem possibilidade de locomoção, a sua sobrevivência dependerá dos elementos que surgirem no seu ambiente próximo, os quais não têm capacidade de controlar.
Ao observar tal qualidade questiono-me: E se nós, humanos, tivéssemos também esta capacidade de observar acontecimentos exteriores e aceitá-los tal como são? Reconhecendo que mesmo os dias menos bons fazem parte de um conjunto de sensações humanas que se quer completo de todo o espectro de emoções?