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Em ocasiões especiais, aprendemos que devemos nos vestir bem. E os penteados devem parecer mais bem feitos. As falas são mansas. E, entre familiares e amigos, partilhamos pratos únicos, preparados com destreza e com itens raros. Esbanjamos sorrisos e o brilho nos olhos é mais que cobiça alheia, é o aporte único da felicidade que celebramos em tais momentos...
Há quem escolha ir maltrapilho pelas mais variadas razões. Lembro-me de uma festa de funeral budista a que fui maltrapilha eu mesma, por estar em viagem e a mala trazia escassez de variedades na e para a ocasião. E também nunca vou me esquecer da madrinha de casamento que foi à igreja vestida de calça e blusão, além dos tênis, com a desculpa de que se tratava de uma cerimônia do outro lado do mundo a que ela havia sido convidada dez dias antes... Também me lembro de aparecer vestida de preto no casamento da Carol, irmã do meu grande amigo Guto.
Numa viagem ao tempo, vem-me a lembrança das canetas cheirosas e dos papéis de carta mimosos...O que terá sido feito deles? Eram sempre para as ocasiões especiais... Nós, as meninas do primário e do início do ginásio, tínhamos o cuidado de os guardar em pastas belas e mostra-las umas as outras, comparando as coleções, sonhando em escrever cartas e, em momentos específicos das nossas vivências anuais, “gastávamos” um ou outro dos tais lindos papéis que recebiam as nossas melhores letras. Tínhamos que caprichar: a ocasião e o papel eram especiais...
Hoje em dia são comuns as vendas dos cartões de ocasião: cartões de aniversário, de gratidão, de casamento... Os norte-americanos e os ingleses sabem bem categorizar tantas e quantas ocasiões especiais, de modo que ao deambularmos por papelarias com estas sessões de cartões, perdemo-nos fácil e infinitamente no quanto o mundo especial é vasto, intenso e cotidiano. Ora...então, tudo é especial, extrapola a razão. No entanto, há momentos mais especiais que outros, regulamenta o coração.
De todos os modos, paira a dúvida: quando são estas ocasiões que não neste aqui e agora em que escrevo tendo um leitor-interlocutor em mente?
Ah, sim, há os jogos olímpicos e as copas do mundo. E as festas de fim de ano, os aniversários, de que alguns dizem “desgostar”, talvez, pela normativa da comemoração, como se cada dia não fosse celebrável. Há os nascimentos e os funerais. Enfim, tudo isso é tradução de ocasiões especiais...
Verdadeiramente, para mim, são todos os dias. Todos os dias em que acordo, me levanto, olho o céu, admiro o sol ou a névoa, felicito-me pelo calor ou pela temperatura mais amena. E teimo em aparentar ser maltrapilha. Teimo sempre em comer bem, como se todas as refeições fossem banquetes únicos e raros. Mas também aprecio a calmaria, a fala mansa, de palavras doces, verdadeiras. E por isso acho que estou sempre nestas ocasiões especiais...
E você, meu caro leitor? Já se vestiu bem hoje? Teima ser maltrapilho como eu por gosto de causar rebeldia ou por mera preguiça? Gosta de cantarolar alto ou prefere os silêncios dos monastérios? O que faz do seu dia a ocasião especial única a ser celebrada a cada manhã?
Afinal, escrever um texto aqui é uma ocasião especial como é sempre essa viagem, curta ou longa, da escrita. Requer o recolhimento do pensamento e de tanta emoção num aglomerado de termos que façam sentido a quem me dá a honra da leitura. Caminhemos, Lidia, F.Pessoa e você, leitor, à beira dos rios de palavras, na certeza de que o encantamento ainda é uma passagem viável no cotidiano dos maravilhamentos...