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Se é normal haver polarização de opiniões sobre um conflito, esse entrincheiramento atinge proporções (literalmente) bíblicas quando se fala sobre a situação Israel-Palestina. Não é, portanto, a intenção deste artigo contribuir para a dimensão da avalanche de opiniões que nos têm inundado. O objetivo será entender a influência do tão famoso “soft-power” neste conflito e o quanto a alavancagem do poder israelita se deve ao mesmo, tirando lições sobre o potencial da sua versão portuguesa.
Poupar-vos-ei a uma aula de História sobre a presença judaica no sul da Europa e as razões que levaram essa comunidade a migrar para o norte do velho continente - interessa principalmente entender as profissões de valor acrescentado, o conhecimento acumulado destas populações nas mais variadas profissões e a forma como facilmente se integraram nas comunidades onde se inseriram.
O soft-power judaico é um fator crucial na obtenção do largo apoio internacional para a criação do estado de Israel, construindo em cima das terríveis bases da perseguição dos pogroms do Império Russo e posteriormente do Holocausto da Alemanha nazi. Este fator influenciador - infelizmente para os grandes iluminados das teorias conspirativas - vem maioritariamente da integração rápida dos judeus nas sociedades anfitriãs: a cultura hebraica estima a adaptação aos costumes locais, a aprendizagem da língua e a participação ativa na vida cultural e económica das comunidades. Os valores de erudição, ética de trabalho e autossuficiência da sub-comunidade juntamente com a matriz moral judaico-cristã tornaram os judeus imigrantes ideais.
O seu alinhamento com valores ocidentais, principalmente liberais, nos EUA ou no Reino Unido permitiram que associações judaicas tivessem uma voz. A tradição do seu posicionamento como comerciantes, banqueiros e intelectuais levo-os a posições políticas e de influência que amplificaram essa voz.
Portugal, no ranking “The Soft Power 30” da USC Center on Public Diplomacy (EUA), aparece no vigésimo segundo lugar, à frente de países como a China ou a Rússia - nações essas com um hard-power ordens de magnitude acima do português. Este soft-power luso, curiosamente, partilha com o seu homónimo judaico muitas raízes. Os portugueses espalhados pelo mundo compõem uma das maiores diásporas mundiais relativamente à população do país de origem. Esta diáspora é amplamente reconhecida pelos seus anfitriões como enriquecedora e valiosa, sendo conhecida pela sua fácil e rápida integração e - hoje em dia - pela qualidade dos quadros qualificados que saem de Portugal.
Se a nível central de governação (vulgo, Ministério dos Negócios Estrangeiros) as relações externas portuguesas não impressionam, a nível local os diplomatas portugueses são mundialmente reconhecidos pelo seu trabalho, catapultando a influência lusa para lugares que teoricamente nunca devia ocupar. A tradição diplomática portuguesa é de enorme qualidade, bem como a reputação do expatriado português. Se a honestidade me obriga a admitir que o soft-power é de facto um foco das relações externas portuguesas, a ambição obriga-me a criticar a fraca conexão entre governação central, diplomacia local e a diáspora.
O investimento e cooperação entre organizações como o Conselho da Diáspora, a CPLP, o Conselho das Comunidades Portuguesas e as centenas de associações portuguesas espalhadas pelo mundo podem alavancar o soft-power português e realmente cumprir o seu grande potencial.
Num conflito tão complexo histórica, política e moralmente é muito fácil imaginar um mundo onde, sem o seu soft-power, o povo judaico não teria conseguido levar avante a criação de um Estado a que pudesse chamar casa. Ou, se eventualmente o conseguisse, a influência de outros povos hostis à sua presença naquela região poderia ser maior do que a sua e, nesse caso, estaríamos perante um jogo de xadrez completamente diferente. É extremamente ingénuo ignorar o poder deste soft-power e considerar que na dança global apenas tanques e porta-aviões importam: estamos perante o maior exemplo da refutação dessa ideia.