Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!
Esta semana no podcast 45 graus, que acompanho religiosamente, Nuno Garoupa discutiu com José Maria Pimentel algumas formas de melhorar o funcionamento da justiça portuguesa. É uma conversa interessantíssima e o ensaio escrito pelo convidado em 2011 e publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos com o título “O Governo da Justiça”, é de leitura muito recomendada. Entre os problemas e soluções propostas durante o programa, algo me saltou à vista (ou à audição): a falta de dados para avaliação e monitorização do desempenho do sistema judicial complicam a identificação e resolução dos problemas e tornam a construção de um sistema de incentivos eficaz praticamente impossível.
Este problema é recorrente na sociedade portuguesa: a métrica de desempenho é um ser mítico, quase nunca mencionado na criação ou na execução do que quer que seja. Nuno Garoupa queixava-se da falta de dados na avaliação de magistrados, mas basta folhear uma ou outra manchete para perceber que faltam dados em praticamente todo o lado.
Das poucas coisas nas quais o nosso Estado nunca se atrasa é na apresentação mensal de um qualquer pacote de medidas que irá salvar a nação de algum desastre que vem à ribalta. Meses depois, o pacote é esquecido e ninguém sabe realmente no que resultou - pior, ninguém sabe realmente no que era suposto resultar. A teoria é simples: se não se definirem metas monitorizáveis, não pode haver falhanço objetivo. Junta-se a isto uma máquina propagandista bem oleada e temos a receita perfeita para a desresponsabilização.
O programa “Regressar”, apresentado em 2019 com o objetivo de aliciar o regresso de emigrantes, foi anunciado com pompa e circunstância como uma vitória sobre os tempos negros e quase medievais do “Passismo” - foi um grande “virar da página da austeridade”. Ainda que sem uma definição de metas concretas a atingir, após 4 anos o programa tem um número de emigrantes aderentes abaixo dos 19 mil, ficando claramente aquém de quaisquer expectativas. Expectativas essas que não podem ser medidas já que não se definiu um objetivo para este número, muito menos para os efeitos de segunda ordem que este retorno poderia trazer.
Outro programa, desta vez uma “iniciativa” (para não enjoar), que se propunha a resolver uma outra grande calamidade, intitulou-se de “Emprego Interior MAIS” e pretendia “repovoar o interior”. Em 15 meses teve 371 candidaturas aprovadas, um autêntico êxodo urbano. António Fernandes Matos, investigador na área do desenvolvimento regional, considerou os resultados “fraquinhos”, acrescentando que “quando não se conhecem objetivos quantificados, não há padrões de comparação”.
Mais recentemente, outro “mais” - o Programa MAIS Habitação - foi apresentando como se de uma gloriosa operação militar se tratasse. Atingindo um pico de populismo que até para os padrões socialistas foi surpreendente, o pacote de medidas que perseguiria todos os perigosos especuladores e que resolveria todos os problemas (estruturais ou não) habitacionais da área lisboeta é apresentado mais uma vez sem qualquer métrica acoplada. Não se sabe exatamente o que se quer obter: será uma descida média do preço das rendas? Será o aumento da velocidade de construção? Será o desenvolvimento das zonas circundantes a Lisboa? Se sim (a qualquer uma das perguntas), em quanto? Quando estaremos “satisfeitos“ com este programa?
Ainda no tema da habitação, o “Programa Renda Acessível” em Lisboa anunciado em 2017 por Fernando Medina quantificou vagamente uma só métrica de desempenho: o objetivo de colocar no mercado 6 mil imóveis a preço controlado, dos quais ao fim de 5 anos apenas existem 1104. Não se sabe qual o limite temporal definido pela câmara lisboeta para atingir tal meta, mas posso desde já prever uma grande festa organizada por um sucessor de Pedro Adão e Silva quando daqui a 50 anos se atingir a enorme conquista das 6 mil casas a preço acessível.
Podia continuar, pois a ausência de objetivos claros não se fica pelos famosos pacotes mas alastra-se a toda e qualquer medida governamental. Na reversão das PPP na saúde, nas decisões sobre a TAP, ou em qualquer outro assunto quente falta sempre um número para quantificar o descalabro. E eu entendo porquê. Mesmo sem esse número definido, outros inevitavelmente virão à tona: o tamanho das listas de espera, os 3 mil milhões enterrados na TAP ou o tempo de aulas perdido pelos alunos.
É muito fácil fazer um logotipo, inventar um nome sonante, pagar a alguém para fazer um website bonito e moderno com a devida tradução em inglês ou montar uma taskforce. Enchem manchetes, dão uma sensação de atividade governativa e ainda elevam a imagem dos sábios que conseguem resolver problemas estruturais com pacotes e pacotinhos. Difícil é estabelecer números que mais tarde nos possam responsabilizar por inevitáveis falhanços.
Sendo investigador científico, trabalhar sem números definidos, estudados, simulados e consultados na literatura é impensável e condenaria o meu trabalho ao fracasso. Fracasso esse que vem sempre, e na comparação entre o fracasso e o número definido é que está o progresso. É o embate nesse muro que me faz reorientar o veículo, tirar conclusões e aprender. Que tenhamos uma governação, e um sistema, com um pensamento mais científico e que sejamos nós, os comuns cientistas do dia-a-dia, a exigir a prova empírica do que se anda a fazer.