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A partir de dia 10 de Dezembro, data do fatídico Portugal x Marrocos, por todo o lado irromperam manifestações de desagrado para com a prestação lusa. Entre o desperdício de uma das melhores gerações de jogadores portugueses e os jogos em sofrimento contra qualquer equipa, era óbvio que algo não estaria bem.
Não restavam dúvidas e, pela primeira vez na História, havia uma opinião universalmente aceite entre os portugueses: precisávamos de mais Fernando Santos. Nos cafés a indignação não abrandava - ninguém entendia porque é que não jogávamos mais para o empate. Painéis de comentadores discutiam horas a fio sobre se devíamos de jogar com 3, 4 ou até 5 trincos. Os canais mais sensacionalistas já noticiavam a demissão óbvia de Fernando Santos e a contratação de um pupilo completamente tutelado pelo ex-treinador, era evidente que o próprio Fernando Santos não chegava.
Por todo o lado o país gritava contra o seu Engenheiro que não tinha sido Engenheiro o suficiente - se da próxima vez tivéssemos mais Engenharia é que ia ser. A sociedade lusa mantém este valoroso critério em relação às restantes problemáticas, somos um povo de pleno consenso e clareza na direção a seguir.
Provas disso não faltam: na recente manifestação pela habitação todos sabiam exatamente a solução para o flagelo existente - mais Fernando Santos. Nos protestos sobre o estado da Educação os responsáveis pelas negociações foram claros - era preciso mais Fernando Santos. As greves dos trabalhadores da CP tiveram também elas reivindações muito claras - queremos mais Engenheiro!
Por esta altura quase todos vós já verificaram o calendário para confirmar que não foram apanhados numa das muitas sacanices do dia das mentiras. Um destes parágrafos escapou: realmente a prestação da Seleção reuniu um consenso - era preciso mudança urgente. Aquilo que o novo técnico deveria demonstrar e as ideias que tinha de trazer foram pontos de discussão semanas a fio.
Figura-se, portanto, como uma perfeita loucura aplicar uma filosofia opostoa em qualquer outro tema. Na realidade, não é. A contestação social vem de motivos reais e quem protesta quase nunca escreve o seu manifesto político antes de sair de casa. Os professores vão para a rua porque não sabem se serão colocados na Guarda ou em Faro, porque os seus salários não se alinham nem com a importância do seu trabalho nem com as horas que este exige, porque a sua prestação como profissional não importa para a sua progressão da carreira. Não vão para a rua porque têm na manga uma reforma educacional pronta a reinvindicar.
Quem vive em Lisboa e vê a sua renda aumentar de forma selvagem enquanto o salário continua na sua calma e miserável estagnação, não está automaticamente etiquetado como anti-propriedade privada. A carga ideológica vem depois.
Esse papel é cumprido pelos sabujos que habilmente farejam a insatisfação de quem carrega o peso do dia-a-dia. A contestação é um cavalo selvagem, devidamente selado e domado antes de cumprir o seu destino. Não é o professor de uma qualquer escola básica que se senta à mesa com o Ministro nem é o arrendatário comum que dá a sua voz na televisão. É o responsável sindical ou a celebridade. Quem toma de assalto o descontentamento é quem o pode usar a seu bel prazer. Ao governo não vai exigir soluções de longo prazo e reformas (muitas vezes desconfortáveis no curto prazo), vai exigir aquilo que está no programa ideológico que escondem atrás das costas.
Os cavaleiros da contestação nunca se dignam a abrir um mapa e olhar por caminhos que se estendam por kilómetros e não por centímetros. Quem vive em Bruxelas ou em Leuven terá muita dificuldade em entender porque é que com colaborações entre Estado e sector privado, facilidade e rapidez na construção e respeito pela propriedade privada se atingiram rendas ao nível de Lisboa (até inferiores) com salários completamente díspares. Ou porque é que se conseguiu um sistema de habitação social competente para o qual todos os setores da sociedade contribuem e têm incentivos para tal.
Segundo a carta de bons costumes de quem nos governa e de quem gostaria (muito) de ir para além de quem nos governa, tal situação só se poderia verificar com arrendamentos coercivos, preços tabelados e talvez um ou outro fuzilamento exemplar de quem se atrevesse a diabolicamente “dar dinheiro a privados”.
Da mesma forma que para essas pessoas, a perspectiva de haver qualquer tipo de sistema híbrido na saúde ou educação presente nos países para onde a maior parte de nós emigrou seria um crime de guerra. Obviamente que na Bélgica, o sistema de saúde colapsou, as listas de espera são infidáveis, as urgências estão fechadas dia sim dia não, as equipas incompletas e quem pode pagar vai ao maquiavélico privado. Também é claramente evidente a pobreza na qual vivem os professores belgas e as condições desumanas nas quais se encontram as suas escolas.
Em Portugal, a contestação só pede mais Fernando Santos porque quem a parasita quer mais Fernando Santos. Os “donos da luta” são fundamentalmente incapazes de sair da sua trincheira, ver a luz do dia e olhar à volta. No nosso país, o parasita eficaz tem a recompensa do holofote: ultimamente têm tido lugar marcado nos programas de comentário habituais, formalizando e ensaiando em jeito de improviso as suas alucinações ideológicas. Outros vão conseguindo afirmar-se culturalmente colando-se a sacríficios que não fazem.
É ofensivo colar à imagem do engenheiro a incompetência que se tem visto na nossa governação, e também é errado considerar a Bélgica um céu na terra - não o é. Mas se quando exigimos a demissão de Fernando Santos imediamente sonhámos com Mourinho, também devíamos sonhar e lutar por um Mourinho na política. Por ideias frescas. Por, pelo menos, algo diferente.