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Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe
Provérbio português
Desta vez eu vou fazer de Cassandra, e tentar perceber o que aí vem em 2023. Provavelmente vou errar, e tal como Cassandra vou ser certamente ignorado. Mas cá vai, de uma forma geral, 2023 vai ser outro ano de merda, mas sem grandes convulsões sociais. Os governos alemão, francês e italiano foram eleitos recentemente, o espanhol só vai às urnas no final de 2023. Em Portugal existe uma maioria absoluta, que abana muito mas que dificilmente cairá. Existirá certamente contestação nas ruas, mas nada que faça os governos actuais mudarem de rumo.
A previsão mais fácil de fazer, e nem preciso de uma bola de cristal, é de que os preços da energia vão aumentar, pelo menos os da electricidade para quem tiver a sorte de viver na Flandres. A partir do primeiro de Janeiro, a capaciteitstarief vai entrar em vigor e é de esperar um aumento casa dos 10% na sua factura. Esta nova taxa estava inicialmente pensada para Julho de 2022, mas com o aumento dos preços da energia no fim de 2021, a Flandres decidiu adiar a entrada em vigor desta taxa. Se viver em Bruxelas ou na Valónia, não se ria com o azar dos flamengos. Uma das motivações desta taxa é tentar reduzir os picos de consumo, para melhorar a operação da rede de distribuição. Os flamengos, pragmáticos, decidiram-se por uma forma de racionalizar o consumo, enquanto que o resto da Bélgica aliviou para canto. No futuro próximo, quando a factura da indecisão chegar, vai doer. Comme d'habitude.
Já quanto ao preço do gás, é possível que também aumente mas confesso que não tenho claro que tal venha a suceder. Aquando do início da guerra na Ucrânia, a Europa decidiu, e bem, progressivamente parar de importar gás da Rússia. E recentemente tivemos o Qatargate, que pode azedar as relações entre a UE e o Qatar, que é só um dos dez maiores produtores mundiais. Como é óbvio de ver, havendo menos fornecedores e sem alterações na procura, o preço é natural que suba. É possível que o mecanismo europeu limite as subidas abruptas, mas objectivamente, o controlo de preços nunca funcionou e ainda para mais de uma matéria-prima que é importada.
O que poderá limitar o aumento dos preços da energia será a diminuição mais do que provável da atividade económica. A Alemanha espera-se que entre em recessão em 2023, a China parece que ainda não sabe lidar com o Covid. E a pandemia ilustrou bem o problema das cadeias de produção extremamente longas. É de esperar alguma relocalização de indústrias e produção de volta para a Europa, para evitar ficarmos de calças na mão na próxima pandemia. Mas a relocalização, a acontecer, vai por um lado demorar tempo e por outro vai aumentar os preços dos productos porque, as regras laborais e os salários europeus assim o obrigam. Junte-se a isso a inflação que veio para ficar, e os problemas de gestão de stocks que vêem ainda da forma atabalhoada como foi gerida a pandemia, e teremos um 2023 provavelmente carregado de nuvens negras no que diz respeito à economia. Mas agora, sem margem orçamental para os países fazerem face às despesas sociais, porque o pouco que havia gastou-se durante a pandemia. Como dizia o Warren Buffet, quando a maré baixa é quando se vê quem é que não está a usar fato-de-banho. E eu suspeito que há muito governo europeu adepto do naturismo.
Falta apenas o elefante na sala, a guerra na Ucrânia que todos querem que acabe mas ninguém sabe quando ou como. Está claro que nenhum dos lados aceita um compromisso, a Ucrânia porque legitimamente sofreu com uma invasão que lhe destruiu a parte mais produtiva e industrial. E a Rússia, que como todos os impérios, sabe bem que acaba no dia em que mostre não ser uma potência militar eficaz. Resta saber quem aguenta mais, se a Rússia consegue arregimentar carne para canhão nas planícies ucranianas mais rapidamente do que a Ucrânia e os seus aliados suportam as consequências económicas da guerra. Eu estou a torcer pela Ucrânia, obviamente, mas nisto da guerra o desfecho é sempre imprevisível. Aparentemente a Rússia já gastou o stock que tinha de mísseis e está dependente do equipamento militar vendido pelo Irão. E parece que também já gastou os recrutas que arrebanhou há pressa em Setembro, e se prepara para uma segunda onda de mobilização forçada. A ser verdade, a Rússia pode não durar muito mais no campo de batalha. Mas a Ucrânia não tem os meios para se defender sozinha e está dependente da boa vontade do Ocidente. Por isso a ver o que quebra primeiro, se a vontade da elite russa em se agarrar ao poder se os cidadãos do ocidente aceitarem abdicar do relativo conforto das últimas décadas. O mais provável é que a guerra não termine em 2023, e no pior caso até podemos ter a NATO a intervir na Ucrânia.
E o 2023 de Portugal, como vai ser? Como têm sido todos os anos deste milénio, de decadência económica e por arrasto, também social. Para haver mudanças são necessários sacrifícios, mas quem os fará ? Cerca de 40% da população é pobre ou muito pobre e depende das transferências do Orçamento para pagar as contas e ter alguma comida na mesa. Quem é o tonto que lhes vai pedir mais sacrifícios ? E nos restantes 60%, uma boa parte depende do Estado directa ou indirectamente para não engrossar o clube dos tesos. Sejam eles funcionários públicos ou familiares de, dificilmente se encontra alguém que não tenha família no Estado. Nas regiões do interior, onde a câmara é o maior empregador, então o cenário é ainda pior. Qualquer tentativa de reforma necessariamente impactaria uma boa parte do país, e nenhum político é idiota o suficiente para o fazer durante uma recessão. Por isso Portugal em 2023 será tudo como dantes, quartel-general em Abrantes.
O que fazer perante a tormenta que se aproxima? Puxar bem o barrete até as orelhas, abotoar o casaco e aguentar. Porque como diz o ditado, não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe.