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Proveniente de uma família de emigrantes, Helena Almeida não recusou a ideia de sair de Portugal em busca de uma melhor qualidade de vida. Esta portuguesa de 29 anos, mãe de duas meninas e um bebé rapaz, seguiu então em 2014 rumo à Suíça, sem nunca imaginar o quanto a sua vida iria mudar. Foi há 7 meses com o simples teste Guthrie (conhecido como o teste do pezinho) que a sua família iria ter conhecimento do problema do Gabriel.
Foi uma semana após o nascimento do bebé, que Helena e o seu marido receberam um telefonema que nenhuma mãe ou pai deseja receber. “Foi tudo muito rápido, mas doloroso; um choque. Viemos para casa depois de uma cesariana praticamente normal, com um bebé que nasceu com 37 semanas 4,025kg e 51 cm. Passado uma semana ligaram-me do Centro Hospitalar Universitário Vaudois (CHUV) em Lausanne, onde me deixaram uma mensagem para retornar a chamada, porque o meu filho corria risco de vida”, recorda a emigrante portuguesa em Friburgo.
Depois do momento de choque e de perder o seu chão, Helena dirigiu-se ao hospital como indicado, onde todos esperavam por Gabriel. Foi no piso três, o departamento de endocronologia, “que é hoje em dia uma segunda casa para ele”, que depois de inúmeros testes e incontáveis lágrimas e incertezas, o especialista finalmente lhes deu o diagnóstico e lhes explicou a doença: Hiperplasia Adrenal Congénita (HAC).
Trata-se de uma doença genética caracterizada por distúrbios no funcionamento das glândulas adrenais, que se localizam acima dos rins e produzem hormonas importantes para o organismo, como o cortisol e a aldosterona. “Nesta doença, as glândulas suprarenais secretam por erro muito pouco ou nenhum Cortisol e em excesso hormonas masculinas”, explica Helena. A falta de Cortisol, pode provocar em pequenas febres, um estado de choque acompanhado de hipoglecimia (menor quantidade de açúcar no sangue) e um excesso de perda de sal na urina. Já o excesso de hormonas masculinas, provoca nas meninas uma virilização dos orgãos genitais externos. Nos rapazes isso não acontece, pode se traduzir numa puberdade precoce ou em casos mais raros o crescimento ósseo pára e provoca esterilidade. “Mas há muitas variantes da doença e o Gabriel tem a variante de perdedor de sal, que significa que terá, à parte da medicação normal, de tomar um extra de sal seis vezes ao dia”, acrescenta esta jovem mãe.
Todo o processo tem sido desde início doloroso e complexo, como relata Maria Helena: “No momento como mãe, a minha pergunta foi ‘Ele vai morrer? A culpa é minha?’. Foi preciso mais de uma hora para lhe tirar sangue e no dia que foi diagnosticado, enquanto eu lhe dava mama, estavam três pessoas a segurar para tentar fazer as análises necessárias. Ainda foi necessário ir ao bloco operatório e nunca mais consegui esquecer o olhar dele a tentar dizer-me ‘mãe o que estás a fazer, porque deixas que me magoem?’”
Depois de um tempo inicial de internamento, para que todos os exames necessários pudessem ser concluídos, a mãe e este bebé regressam a casa para aquilo que seria a sua nova rotina. Como mãe, Helena teve de aprender a gerir a aceitação da doença e o sentimento de culpa, que apesar de tudo o que a ciência lhe diz, ainda é algo que a assola nos dias de hoje. “Durante essa semana chorei tudo, senti-me a pior mãe e a melhor, senti-me sózinha a maior parte do tempo, até porque o hospital era a uma hora e meia de distância de casa, e só as visitas ao final do dia é que me davam forças para o dia seguinte. Acho que acaba por ser mais fácil quando se sabe o que vai acontecer, num caso como o meu, tiram-te de um lugar e colocam-te no meio do Oceano e tens de sobreviver e fica a dúvida se vais ser capaz”.
Pela pouca ligação que tem com Portugal e depois de tudo o que ouve e sabe sobre o sistema de saúde português, Helena fica grata de no meio de todo este cenário, estar na Suíça. Desde apoio médico e puericultura, esta família teve sempre acesso aos contactos privados de todos que tratam do caso, para alguma urgência que possa acontecer. “Em muitos países a doença nem é despistada sequer e agarrei-me muito a isso e agradeci muito por viver na Suíça”.
Gabi, para os amigos e familiares, tem de tomar cortisona três vezes e cortisol duas vezes ao dia. Em casos de urgência (acidente, febre, etc) a dose tem de ser tripiclada, excepto a de sal que se mantém sempre seis vezes aos dia. Em casos de problemas gastrointestinais chega mesmo a ter de ser internado para que a medicação lhe seja fornecida por meio intravenoso. “Simplesmente não pode falhar uma dose, já aconteceu de a farmácia se esquecer de encomendar a medicação do Gabi e termos de ir ao laboratório da farmácia internacional em Lausanne para uma medicação de urgência e lá são bastante compreensíveis”, ressalva Helena.
A vida de toda esta família sofreu uma alteração radical com esta notícia. As irmãs mais velhas, Alice de 7 anos e Bianca de 4, tiveram que se adaptar também a todo este processo. “Nas primeiras semanas tínhamos de ir a Lausanne uma vez por semana e a mais pequena ia comigo, enquanto que uma amiga ia buscar a mais velha à escola que não tinha aulas de tarde e, como para encontrar uma veia no Gabi era dificil, podíamos passar lá o dia todo”. Além de tudo isto, desde cedo tiveram de abrir as portas de sua casa semanalmente à equipa de puericultura, “que já fazem parte da família”, para haver um seguimentos mais exata ao peso e crescimento do bebé, que são uma das consequências da doença, além de sonolência e cansaço extremos quando associados ao calor. “Mas fora isso, o Gabi é uma criança perfeitamente normal no que diz respeito ao desenvolvimento na alimentação, motor e da sua idade”.
Mas não foi só a vida familiar que se alterou, uma doença crónica deste tipo altera toda a esfera social e profissional em torno desta mãe e da sua família. “Muda-nos completamente , como pessoa e a própria visão de vida e valores. Deixei de dar valor a muita coisa, percebi relmente quem estava lá para mim, e passei a dar mais valor e a festejar a vida e tento passar isso a cada pessoa que se cruza no meu caminho”.
O apoio por invalidez foi a única ajuda a qual puderam recorrer, para suportar os custos de medicação, consultas e viagens na totalidade, pois os seguros privados de saúde obrigatórios na Suíça, apenas cobrem 90% do tratamento. A medicação tem de ser adquirida semanalmente a um custo superior a 100 francos suíços, portanto sem este apoio, o qual ainda aguardam decisão, será bastante dificil suportar os custos.
“O que senti falta foi de apoio finaceiro, porque por um lado tive sorte porque estava em casa e ia ganhando um pouco com os trabalhos a independente, mas neste momento não tinha como o deixar se quisesse ter um trabalho fora de casa. Porque as amas, nao teriam condições de ficar com a responsabilidade e têm medo de se esquecerem da medicação. Até a minha mãe inicialmente tinha medo de tomar conta dele, mas aos poucos todos saímos da nossa zona de conforto e ajudamo-nos uns aos outros”, desabafa comovida Helena.
Por não conhecer ninguém na Suíça com o mesmo problema que o seu filho, recorreu às redes sociais e encontrou um grupo francês de Facebook, que conta com cerca de 500 membros, o qual a tem ajudado imenso. E por isso tenta por aqui que a sua mensagem chegue a pais em situações semelhantes:
“Tudo tem uma razão de ser, por muito que não faça sentido. Não quero dizer que as crianças deviam ter estes problemas, mas se vivermos afogados na nossa dor, não vemos o futuro. Agradeçam do fundo do coração, porque há pais que não têm a sorte de poder estar horas ou minutos com os seus filhos, ou sequer de os conhecer. Há pais que não conseguem um diagnóstico para os seus filhos a tempo e poder encontrar, não só a cura mas uma medicação que ajude, há quem que não tenha a minha, a vossa sorte. Sejam fortes por vocês e por eles. Não deixem que os vossos filhos se sintam diferentes nem uns coitadinhos. Não vai ser fácil todos os dias, mas acreditem: é possivel!”
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