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Cada país tem os seus hábitos gastronómicos que evoluem com o tempo. Ultimamente, Portugal tem-se centrado sobre os pratos de bacalhau que, em certos meios, se tornou quase um prato de luxo.
Sou do tempo em que o bacalhau era um produto corrente que era servido à mesa em numerosas famílias do interior, porque o peixe fresco já não o era quando ali chegava. As famílias mais abastadas apreciavam mais a carne que era sinal de pertencer a uma classe rica.
Também o bacalhau era um produto dos países do norte da Europa. O frigorífico e o congelador ainda não tinham sido inventados e a eletricidade ainda não existia. O sal era o grande elemento de conservação do peixe de grande tamanho pescado nas águas frias do norte do Canadá, da Islândia ou da Noruega.
O rigor desta faina, longe da família por alguns meses, não entusiasmou os pescadores oriundos dos países nórdicos que, pouco a pouco, se desabituaram do consumo do bacalhau, e a carne começou a fazer parte das ementas das famílias, já que os animais bovinos e caprinos começaram a ser abundantes nessas regiões do norte da Europa.
Um hábito gastronómico que vim a conhecer na Bélgica foi o camarão. Mas não o camarão confecionado à maneira portuguesa, que é normalmente servido na designada sopa de camarão.
Em vez da sopa de camarão deparei-me com um prato tradicional designado, “tomate aux crevettes”, que é servido como entrada de uma refeição. O tomate é limpo no interior para ali serem colocados os saborosos camarões ditos cinzentos do Mar do Norte.
Apesar de o prato “tomate aux crevettes” ser um prato nacional belga, poucos habitantes deste país conhecem a típica tradição da pesca ao camarão no Mar do Norte.
Em boa hora conheci um amigo belga (ele diz que é quase português!) que almoça com um grupo de amigos onde eu me incluo, todas as quintas-feiras, não se esquivando a fazer mais de três horas de viagem para comer connosco um saboroso prato, não de camarão, mas de bacalhau, à moda portuguesa, confecionado de todas as maneiras e feitios. Não resisto em mencionar o seu nome — Henri Lemineur — que se diz “belga de nascimento, português de coração e tripeiro na alma”. Um verdadeiro entusiasta de Portugal, onde viveu durante largos anos, e das suas tradições que conhece melhor do que muitos de nós.
Foi pela sua mão, também enquanto bom fotógrafo, bom jornalista, excelente homem de ralações públicas, que conheci a tradicional pesca do camarão no Mar do Norte belga, mais concretamente, em Oostduinkerke
A pesca ao camarão é uma tradição muito antiga, que era praticada no norte da Europa, nomeadamente, na Holanda, Bélgica, norte da França e na Inglaterra. Em 2013 foi reconhecida como património imaterial da Unesco por ser única no seu género. Esta tradição é praticada a cavalo, um animal de raça brabançonne, com um peso de cerca de mil quilos, bem robusto, para se poder aguentar no mar, no meio das ondas, carregado de dois cestos de vimes, puxando as redes de cerca de trinta metros e com um cavaleiro em cima a manobrar a faina.
Os imponentes cavalos vão chegando à praia puxando a carroça onde se encontram as redes, os cestos e os respetivos utensílios da arte da pesca do camarão. As mulheres acompanham também os pescadores, pois, reza a lenda, que foram elas que não deixaram perder a tradição, por necessidade, porque tinham de assegurar o sustento da família com a pesca do então abundante camarão, quando os homens partiam durante meses para a faina do bacalhau no mar da Islândia.
É já em frente da praia que os cavaleiros avançam pelo mar adentro que em Oostduinkerke é pouco profundo e, em maré baixa, conseguem chegar a algumas centenas de metros. Uns cavaleiros vão para um lado e outros vão para outro, e as mulheres, para não perderem a tradição, concentram-se no meio, pescando de pé, com uma espécie de ancinho de madeira com uma rede para apanhar os camarões e uma, com uma cesta às costas, recolhe todos os camarões que as outras apanham. Todos vestem uns impermeáveis de cor amarelo-canário, inconfundíveis, para poderem ser vistos a centenas de metros.
Só me faltava trazer uns camarões para casa. Foi também o Henri que me acompanhou ao lugar certo. Não sei se o camarão comprado já era daquele que tinha sido pescado há algumas horas, mas certificou-me que era de uma impecável frescura.
Chegado a minha casa, nem me lembrei de confecionar o prato tradicional belga de “tomate aux crevetes”. Fui logo fazer uma sopa de camarão cuja receita encontrei no famoso livro da Maria de Lurdes Modesto.