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Faz hoje sete anos que uma corja de facínoras semeou a morte de dezenas de pessoas e destroçaram a vida a centenas de outras, no aeroporto de Bruxelas e na estação do Metro Maelbeek, motivados pela loucura de ideais tendentes a aniquilar os valores democráticos do ocidente.
Tem sido impossível ficar indiferente perante os testemunhos das vítimas que têm sido ouvidos no Tribunal de Júri que a Bélgica arranjou, de propósito, para julgar os autores dos atentados do 22 de março de 2016.
Os responsáveis destes horrendos crimes têm também o direito de se defender e de ser ouvidos, mas só após terem olhado para a dor das vítimas que naquele dia viram os céus e os infernos caírem-lhes em cima das suas vidas, em sofrimento até fim da existência, por terem perdido seres que tando amavam ou pelo facto de os seus corpos e as suas almas terem sido mutilados, deformados, esfarrapados.
Depois de terem percorrido um calvário de sofrimentos, de operações sem fim, de tratamentos psicológicos apaziguantes de tanta dor, é agora a vez de enfrentarem os autores dos seus próprios males. E esta é uma démarche que não é nada fácil para as vítimas, porque todo o sofrimento é reavivado diante do Tribunal onde irão apresentar as dolências que sofreram e que ainda as atingem, para que os autores possam ter o devido castigo.
Impressionou-me o testemunho de uma das vítimas que esteve a dois passos da morte. Nesse dia 22 de março de 2016, Sébastien Bellin, antigo capitão da equipa nacional de basquete da Bélgica, estava no aeroporto para seguir para Nova Iorque quando foi atingido pela deflagração da bomba que iria pôr termo à sua carreira. Após ter recebido o bilhete para embarcar, sentiu uma explosão que provocou o rebentamento do teto e correu para a secção do controlo dos passaportes onde normalmente se encontra a polícia. Mal sabia ele que iria ao encontro de segunda bomba que lhe dilacerou as duas pernas.
O Tribunal mostra-o no chão, num verdadeiro charco de sangue. É socorrido por um militar que lhe coloca um garrote na perna direita. Já tinha perdido mais de cinquenta por cento de sangue. E na ambulância sente a cara a arder, pensando que está queimado. Os bombeiros notam que está a perder os sentidos e a começar a morrer. Tentam reanimá-lo, esbofeteando-o até chegarem ao hospital.
O seu testemunho, em frente da Presidente, do Júri, dos advogados de ambas as partes e da assistência não deixou ninguém indiferente. Desfez-se em numerosos agradecimentos: aos anónimos que o ajudaram no aeroporto, aos bombeiros, aos médicos e enfermeiros que já lhe fizeram treze operações, aos psicólogos que lhe têm dado ânimo e até aos autores que lhe provocaram as mutilações.
Ao mesmo tempo que vai descrevendo os factos, as imagens são projetadas no ecrã da sala de audiências. A certa altura, vê-se uma fotografia com o Sébastien numa cadeira de rodas, num corredor de hospital empurrado por uma das suas filhas menores, uma mais pequena que a própria cadeira onde o pai se encontrava e a outra ao lado.
A Presidente do Tribunal, emocionada com a imagem, pergunta:
— E como vão agora as suas filhas?
Sébastien fica estarrecido de ternura e dificilmente retoma a palavra para, também emocionado, responder à Presidente que suas filhas vão bem e que foi o amor por elas que lhe deu coragem de não desistir.
Por fim, Sébastien vira-se para os autores das atrocidades que o colocaram naquele estado e ouviram-se palavras que raramente têm lugar num tribunal. Sébastien quis mostrar a sua capacidade de resiliência, dizendo:
— Hoje decidi perdoar-vos. Em vez de me destruirdes, criastes em mim um homem com uma enorme energia de compaixão, de tolerância, de abertura de espírito. Destes-me uma humanidade ainda mais poderosa, uma humanidade que nem mesmo duas bombas conseguiram destruir. O perdão é a última etapa da minha cura.
Este é certamente um dos testemunhos mais nobres e humanos ouvidos num tribunal!