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O resultado das eleições legislativas referente aos portugueses residentes no estrangeiro, que devia ser de júbilo pela maior participação de sempre, acabou manchada pela obsessão absurda do PSD de querer anular votos, que a assembleia de apuramento geral do Círculo da Europa secundou de forma insensata e insensível, indiferente ao prejuízo que assim iria causar à participação livre e democrática dos portugueses residentes no estrangeiro.
A Constituição da República consagra um conjunto de direitos de cidadania, como o exercício do direito de voto e a defesa dos dados pessoais, que deveriam ter sido devidamente ponderados antes de ser tomada a dramática, leviana e desproporcionada decisão de anular 80 por cento dos votos enviados no círculo da Europa, equivalente a 157.205 votos, tivessem ou não a cópia do cartão do cidadão, o que constitui uma profunda desconsideração pelos eleitores e, acima de tudo, pelas comunidades portuguesas no seu todo.
A prova de que não existe uma interpretação única da lei como o PSD quer fazer crer, é que a assembleia de apuramento geral do círculo eleitoral de Fora da Europa, perante exatamente o mesmo tipo de circunstâncias, rejeitou o protesto do PSD para anulação dos votos e validou todos os que foram escrutinados, honrando assim a vontade dos eleitores no estrangeiro na escolha dos seus representantes na Assembleia da República e do governo que querem para o país.
O mesmo não aconteceu com a mesa de apuramento geral para o Círculo da Europa, que ignorou todo o contexto destas eleições, como os preceitos constitucionais relevantes nesta matéria, a proibição do uso de cópias de documentos pessoais de identificação, a desmaterialização dos cadernos eleitorais e a identificação do eleitor através do código de barras, o facto de os votos serem enviados por correio registado ou a estimativa de cerca de 40 por cento dos votos virem sem a cópia do cartão do cidadão, manifestando assim uma profunda falta de sensibilidade ao tomar a decisão ligeira de anular todos os votos, lançando um véu de desprestígio e desconfiança perante as instituições e a democracia.
Nem sequer foram minimamente considerados os pareceres da própria Comissão Nacional de Eleições, como as que constavam no manual distribuído aos membros das mesas, de que são exemplo as passagens que referem que “a cópia do documento de identificação serve, afinal e apenas, como reforço das, de si fracas, garantias do exercício pessoal do voto”, pelo que “não releva para o exercício do direito de voto a identificação através de documento apropriado, uma vez que ela é, em primeira mão, assegurada pela correspondência eleitoral sob registo pelo destinatário ou pessoa próxima”.
Acresce que, na reunião realizada no dia 18 de janeiro, na secretaria-geral da Administração Interna, os representantes de oito partidos políticos, entre os quais dois do PSD, assinaram uma ata que consensualizou várias orientações, uma delas que referia explicitamente a decisão de “aceitar como válidos todos os boletins cujos envelopes permitam a identificação clara do eleitor e descarga nos cadernos eleitorais desmaterializados, mesmo que o envelope não contenha cópia do cartão do cidadão ou bilhete de identidade”. Assim, exercendo a sua soberania sobre o funcionamento do escrutínio, as dezenas de mesas de contagem de votos, compostas e presididas por representantes de vários partidos, validaram aquele procedimento, incluindo os representantes do PSD.
O facto de o PSD posteriormente ter mudado de posição, com receio de uma “possível interferência no resultado eleitoral”, como consta do seu protesto, como se houvesse uma estratégia concertada de todos os eleitores que enviaram o voto sem o cartão do cidadão, põe a descoberto as intenções do PSD em querer anular os votos para evitar uma possível eleição do segundo deputado do PS pelo Círculo da Europa ou que, pela primeira vez na história da nossa democracia, o PS ficasse à frente do PSD no círculo eleitoral de Fora da Europa.
Por isso não se coibiu de fazer tudo para anular tantos votos quanto possível, tendo mesmo chegado a usar de agressividade perante alguns membros das mesas para tentar impor a sua posição, mas nada o iliba da sua responsabilidade de ter apresentado um protesto que levou à anulação de 157.205 dos votos provenientes dos eleitores na Europa.
Se o PSD já nas eleições de 2019 assumiu uma posição muito grave e inaceitável de anular cerca de 34 mil votos pelas mesmas razões, com o intuito de limitar a influência eleitoral do PS, agora nestas é bem mais grave e uma afronta às comunidades portuguesas, que assim viram o seu voto deitado para o lixo.
Convém recordar que na Assembleia da República estava em preparação a alteração às leis eleitorais, mas por uma questão de prioridade começou-se pela lei eleitoral autárquica, visto que houve eleições locais em setembro de 2021 e agora iriam ser alteradas as leis eleitorais para o Parlamento e Presidência da República, para facilitar o exercício do direito de voto aos portugueses residentes no estrangeiro, não fosse a dissolução da Assembleia devido à rejeição do Orçamento do Estado.
Esta será uma cruz que o PSD carregará para o resto dos tempos, por ter desconsiderado de forma tão grosseira e antidemocrática as comunidades portuguesas, danificando seriamente a confiança dos cidadãos nas instituições, na política e na democracia.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico