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Acabei de ouvir e ver em directo o discurso do Ricardo Araújo Pereira da Ucrânia, o Presidente Zelensky, ao Parlamento Europeu.
Chorei. Chorei eu e o tradutor simultâneo, como já tem acontecido. Mas não chorei porque vejo televisão a mais e hoje a televisão não tem medida.
Até porque, pela bitola televisiva, a guerra da Ucrânia (televisões, corrijam lá isso, não é "Guerra da Rússia") acabou com o COVID. Como o COVID acabara com a vida, excepto o futebol. Por falar nisso, hoje o jornal desportivo Record titula em letras garrafais e imagens de primeira página inteira a mudança de festejo de um jogador de futebol.
Fazia uma pistola e agora faz uma bola de Cristal. Não chorei sequer porque a minha experiência com os nossos irmãos ucranianos seja boa. Já tive várias relações profissionais com nacionais da Ucrânia e todas seguiram o mesmo padrão: começaram extraordinárias de dedicação mútua, eles encarniçados e resistentes, e terminaram sendo eles desleais ou interesseiros. Sempre. Andava a pensar que era um padrão. Devemos ser pro tudo o que é bom, mas não devemos perder o foco. Eu chorei porque vejo cobardia em todo o lado.
Na própria UE e na Nato. O que é que estão à espera? Nos EUA, de cuja narrativa desconfio profundamente: não estou a ver o Putin avançar sem alguns consentimentos tácitos e fechar de olhos. Apesar disso, embora digam coisas parecidas com esta, só na aparência, não posso admitir a atitude do nosso PCP em pleno século XXI.
Mas chorei, essencialmente, porque vejo no Zelensky um homem com eles no sítio. Que diz tudo o que tem de ser dito. Não pela contra-informação ucraniana ou russa, que obviamente é legítima. Basta ver meia hora o canal RT (Russia Today) para perceber a subtileza do desvio de consciências.
Poucos líderes europeus me têm convencido, excepto os que não são coerentes, os que superam os interesses óbvios e mudam de política. Como diz um artigo do Yuval Noah Harari ontem no The Guardian, a história já mudou. O Gorbatchev separou duas nações que nunca deixaram de ser irmãs.
Putin criou um novo inimigo para todo o sempre: mesmo que os povos continuem irmãos, os países vão desconfiar um do outro pela eternidade, mesmo que haja uniões e incorporações. A Europa demorou demasiado tempo a pôr o Brexit na ordem ou a lutar contra a insensatez de um país como o nosso aliado histórico que nos amedrontou a ultimatos.
A história mostra um chorrilho de morninhos e hoje em dia é tão fácil aderir a modas pops (e a actual é a Ucrânia, que engole todos os dramas do mundo). Mas saber, conhecer e estar mesmo lá é mais raro.
Já viram os filmes do Zelensky? Já leram o Arquipélago Gulag? E informaram-se sobre o Hermitage? Sabiam que a revolução Russa quase vendeu meio Hermitage a Washington? Chorei porque vi um homem falar por mim.
E aquele belo e iluminado Parlamento que incorpora o meu ideal Europeu veio abaixo. Gostava que os tivesse no sítio como Zelensky e aprovasse uma entrada recorde do celeiro da Europa na UE. Já o fez com a Alemanha de leste. E a Nato deixasse de ser hipócrita a convidar a Ucrânia durante anos e agora se faça de morta. Chorei pelos melhores deste mundo, não por mim.
E esse é o grande problema. Mesmo as pessoas que gritam solidariedade, a maioria delas, como eu testemunhei em Portugal no caso dos Indignados, no dia seguinte voltam às suas vidinhas ou ao tormento pop sem largar as TVs.
E estão a pensar essencialmente nelas. Se pensassem nos outros, olhavam para trás, para a frente, para longe, para dentro. Há muitos dramas ao lado de casa. Ou ainda mais longe do que a Ucrânia.
E para esses não dão um cêntimo. E o suicídio de uma ideia de Rússia que era cara a todos (os nossos filhos estão a morrer no exército russo). Chorei porque o mundo pode ser o que aquele palhaço (que é dos poucos que o sente como um elogio) tem sido. E pelos vistos é possível que o humor, estado superior da alma humana, vença.