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Cai neve em Nova Iorque
Há sol no meu país
José Cid
Já passaram uns meses desde que foi publicado, mas parece que Portugal foi eleito o melhor destino mundial para os nómadas digitais. Não deixa de ser irónico, um país com quase três milhões de emigrantes ser eleito o melhor destino para os estrangeiros virem trabalhar. E como é que conseguimos este milagre? Por um lado, Portugal é um país essencialmente tranquilo com preços razoáveis para quem não tem um salário português. Por outro, existem boas infraestruturas que permitem trabalhar remotamente um pouco por todo o país. E claro, condições vantajosas a nível de impostos com que os portugueses residentes apenas podem sonhar.
Olho pela janela, está um dia de Outono frio e chuvoso com uma máxima prevista de 8 graus para Bruxelas. A minha gata chega e senta-se em frente da janela. Abro-a para ela poder sair para o jardim, mas assim que ela põe o focinho fora assusta-se com o frio e volta para dentro. Nem a esta vadia lhe apetece sair com este tempo. Vou ver a meteorologia para Pombal, dá uma máxima de 19 graus com algumas gotas de chuva.
E é então que dou por mim a pensar, eu poderia trabalhar remotamente. A empresa onde estou agora, tem por regra dois dias por semana em teletrabalho. E na minha área, desenvolvimento de software, trabalho remoto é normal e perfeitamente aceite. E se eu me mudasse para Portugal, trabalhando remotamente para uma empresa aqui na Bélgica, mantendo o mesmo salário ?
Desde logo, iria pagar muito menos impostos. Depois claro, um clima mais agradável e estaria mais perto da família e dos amigos de infância. Mais dinheiro no bolso, mais produção de melanina, vinho a preços mais acessíveis e companhia para o desfrutar. Estou aqui a fazer o quê?
Neste momento entra-me a minha filha na sala, e põe-se a brincar comigo. Ah pois é, tens uma criança. Nasceu quando ainda viviamos em Lisboa, dois anos antes da mudança para Bruxelas. Lembro-me bem que as consultas da pediatra custavam na altura 80 euros, mas aqui em Bruxelas ficavam-se pelos 50 e uma boa parte era reembolsada pela mutuel. O que me traz à memória que na altura tínhamos um seguro de saúde em Portugal para os três, mais caro que a mutuel belga e com menos benefícios.
E depois há o pormenor da escola. Vamos para Pombal, e ela vai estudar onde? A preparatória e a secundária de Pombal não eram más, tenho boas recordações e tive bons professores. Mas já passaram vinte anos, agora como está? Cá na Bélgica, ela esteve numa escola primária onde as coisas não correram bem e decidimos mudar para outra. Em Pombal as alternativas estão fora do concelho, mudar de escola significa ir para Leiria ou Coimbra. E por muito que eu goste de Pombal, mas é uma aldeola quando comparada com Bruxelas. Sempre que a minha filha me fala dos amigos da escola, tenho dificuldades em perceber pelo nome se é rapaz ou rapariga ou de que país vêem os pais.
Mudar para Pombal seria ir de cavalo para burro, mas talvez Lisboa, Porto ou uma outra grande cidade? Não têm a diversidade de Bruxelas, mas também não são nenhum fim do mundo.
É então que chega a minha esposa, para levar a garota para a catequese. Despacha-te, anda e calça-te que temos que ir, diz a mãe. Exacto, e a tua esposa Nelson, como é que ela se iria ocupar em Portugal? Professora de profissão, em Portugal todos os anos tinha que fazer a via sacra das colocações. Com sorte consegue-se perto de casa, para uma certa definição de perto que raramente é inferior a 50 Km. Em Lisboa era mais fácil porque há mais alunos e mais escolas. Eventualmente lá conseguiu uma colocação mais estável numa escola inserida num bairro problemático, porque eram poucos os que para lá queriam ir. Mas também isto foi sol de pouca dura, quando o ministério da educação decidiu salomonicamente anular as colocações neste tipo de escolas, o que levou os professores a ir para tribunal. O resultado? Para os alunos, um mês sem aulas, até que os professores foram re-admitidos temporariamente. E no final do ano lectivo o tribunal decidiu nada decidir. Só os advogados é que ficaram a ganhar com o imbróglio.
Depois, quando veio para Bruxelas começou a trabalhar numa loja de chocolates na baixa. Na altura a ganhar mais do que ganhava como professora em Portugal. Depois lá conseguiu tratar da papelada para poder dar aulas na Bélgica, e trabalha agora feliz e contente numa escola onde sua as estopinhas mas é reconhecida pelo seu trabalho. Vou mesmo tentar convencê-la a ir para Portugal, deixando um emprego que ela gosta para voltar para a balbúrdia que é o ministério da Educação em Portugal? Isto seria uma missão suicida de que nem o John Wick sairia vivo.
Volto a olhar para a janela, e num segundo olhar diria que afinal não está assim tão feio o dia. E a chuva até tem uma certa beleza poética. Quero voltar para Portugal só para mudar de emprego? Em Abril deste ano, as coisas estavam a correr mal na minha antiga empresa e bastou um mês para encontrar algo na mesma área, com melhores condições, mais perto de casa e trabalhando menos. Não, deixa-te mas é ficar. Assim como assim fica ela por ela, o que poupo no protector solar gasto num bom casaco.