
Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor!
Os resultados da eleição presidencial do passado domingo poderão ter sido recebidos com um certo grau de surpresa e choque para alguns. Refiro-me, como muitos já puderam subentender, não à votação expressiva que o vencedor obteve, mas aos valores alcançados pelo partido de extrema-direita que ainda há menos de dois anos obteve pouco mais de 1% nas eleições legislativas.
O que terá mudado entretanto? Que fatores contribuíram para o reforço substancial da votação num partido, cujo princípio ideológico se assemelha à Frente Nacional de Le Pen ou à Liga de Salvini? Não haverá uma resposta única, mas sim um conjunto de fatores que contribuíram para centralizar muito do debate político nacional em torno de ações mediáticas encabeçadas pelo líder desse partido. E os seus eleitores, serão eles todos simpatizantes de ideais protofascistas, racistas e xenófobos? Partilho muitas dúvidas quanto a esta leitura simplista do fenómeno.
Na verdade, os resultados da eleição só foram uma surpresa para os mais distraídos: quem pudesse dedicar um pouco de tempo a ouvir – quase em surdina – os comentários de rua, entre colegas ou amigos, poderia antecipar que algo de muito sério estava a acontecer. Do mesmo modo, a explosão de grupos de apoiantes nas redes sociais, as numerosas visualizações conseguidas através de títulos sensacionalistas dos vídeos no Youtube e o bombardeamento sucessivo de partilhas de “soundbites” provocatórios (em jeito de opinião) em várias plataformas de comentário, já deixavam entender que a materialização do movimento em votos estaria prestes a acontecer.
O que estará na base deste fenómeno? Como indicado anteriormente neste texto, as variáveis de entendimento serão várias. O caríssimo leitor deixará que partilhe algum do meu pensamento: assistimos aqui a um fenómeno muito parecido ao que sucedeu com Trump, nos EUA, que através da sua influência mediática e participação em vários programas de televisão foi, aos poucos, granjeando um estilo populista e uma narrativa sensacionalista que foi irrompendo no subconsciente comum, até a vermos como algo aceitável. Os média, ou neste caso, um deles, conhecido já pelo seu registo muito questionável em matéria de deontologia e promotor assumido do “espetáculo televisivo custe-o-que-custar”, viu no agora líder da extrema-direita portuguesa um apetecível isco para prender os telespetadores ávidos por doses elevadas de polémicas fúteis, de maledicência, de boato, de insulto e de desrespeito.
Em segundo lugar, convém não esquecer que o maior partido português de centro-direita, num momento de desespero, deu a sua bênção a uma candidatura autárquica encabeçada por um indivíduo cujas declarações xenófobas e constantes ataques a minorias faziam já parte do seu dia-a-dia mediático contribuindo, assim, ativamente para o processo de normalização e legitimação do discurso.
A partir daí, com a eleição para deputado, o foco mediático alargou-se para as televisões ditas “tradicionais”, garantindo cobertura jornalística em prime-time – um excelente veículo para passar mensagens e alcançar muitas famílias que a essa hora se encontram reunidas a jantar e a ver o noticiário. As redes sociais (com os seus famosos algoritmos) e as caixas de comentários dos jornais, transformados em ringues de boxe digitais (ótimos para atrair mais tráfego e permitir a venda de publicidade), fizeram o resto: aos poucos, uma parte da sociedade portuguesa viu-se mergulhada numa realidade paralela e num país que, a crer pelos títulos e textos sensacionalistas, se assemelhava a um território em guerra, sem lei nem rei, pertencendo ao terceiro mundo.
O leitor dirá que é argumento fácil responsabilizar os média por terem alimentado, ao longo dos anos, um monstro que parece estar, agora, mais perto do poder. Mas não nos enganemos. Se muitos dos eleitores preferiram dar o seu voto a um partido cujas propostas são na sua grande maioria prejudiciais para os seus próprios interesses (falo das classes média e média baixa) é porque muitos se sentem esquecidos, desmotivados, apáticos e desconfiados de uma democracia que parece já não os ouvir, nem entender. Estão de costas voltados para um sistema político que, enfraquecido pelas sucessivas suspeitas e abertura de casos judiciais intermináveis, já não transmite a necessária confiança nas instituições. São cidadãos que têm medo porque veem o futuro dos seus filhos comprometido e que, apesar de todos os esforços realizados, será muito provavelmente mais instável ou pior que o dia de hoje.
Quando o medo, o desespero e a desconfiança tomam conta do espírito dos cidadãos, o ódio e o rancor pelo próximo surgem quase impulsivamente como soluções imediatas e atrativas. Erro crasso; ilusão barata! Como a História nos ensina, o ódio e a indiferença não serão a nossa salvação. Bem pelo contrário.
É, sim, necessário lançar pontes de diálogo com estes eleitores, construindo políticas públicas eficazes de combate às desigualdades, fortalecendo o elevador social.
É preciso tornar a política mais inclusiva, fazendo um apelo genuíno à participação de todos, procurando fortalecer e reformar as instituições democráticas.
É preciso educar para a cidadania. Porque se votar é importante, desenvolver uma cidadania ativa é essencial para garantir a sobrevivência do sistema democrático e construir uma sociedade progressista, inclusiva e tolerante.
P.S.: Assinalou-se, a 27 de janeiro, o 76.º aniversário da libertação do campo de concentração e extermínio de Auschwitz. É necessário continuar a lembrar esta data especialmente num tempo em que nos chegam sinais preocupantes de várias partes do mundo. Importa continuar a recordar que o Homem, cego pelo ódio, pela manipulação, pelo rancor e vingança, foi capaz de cometer as maiores barbáries. Está nas nossas mãos impedir que volte a acontecer.