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Nunca atribua à malícia o que pode ser adequadamente explicado pela burrice. Robert Hanlon
Se não estou em erro, o ano passado António Costa acusou João Cotrim, o primeiro deputado da Iniciativa Liberal, de ser um neo-liberal. Na resposta, foi-lhe perguntado "senhor Primeiro-Ministro, o que é um neo-liberal ?". Costa, pouco habituado a que lhe façam perguntas ou o contradigam, ficou calado e sem resposta. É possível, e até bastante provável que para o primeiro-ministro os termos liberal, neo-liberal e outros derivados sejam apenas insultos. Algo que se diz ao outro lado da bancada, quando já não há argumentos ou paciência para responder de forma mais educada. Daí o espanto e a incapacidade do Primeiro-Ministro em explicar o que queria dizer. Fosse o local outro que não a Assembleia, e Costa teria dito que a mãe do deputado era paga para satisfazer desconhecidos à borda da estrada.
Se estou a relembrar este tesourinho deprimente é porque agora se trocaram os papéis. Após quase oito anos de governo socialista, e quando ainda faltam outros três longos anos para o fim, temos um país atolado em greves, com serviços públicos disfuncionais e um governo à procura de culpados. Já não bastava as figuras tristes que o governo fez, e continua a fazer, na gestão da TAP, nem a ópera-bufa das "medidas" para a habitação, temos agora as cebolas como elementos de uma cabala conspirativa. É por isso tentador insultar António Costa chamando-o um socialista. Ou seja, alguém que após quase uma década no poder consegue deixar o país pior do que o encontrou. E note-se que o recebeu após quatro difíceis anos em que Portugal esteve sob as ordens da troika
Da esquerda à direita, a oposição uniu-se para usar o socialismo com um insulto. À direita, afirma-se que o lamaçal em que se encontra Portugal é o resultado de anos de políticas socialistas, enquanto que a esquerda é mais refinada. Acusa o Partido Socialista de não ser verdadeiramente socialista. Curiosamente, eu penso que ambos os lados estão errados.
Sim, é correcto que o Partido Socialista tentou nestes anos controlar ou eliminar, quando não foi possível controlar, a actividade privada. A pretexto da "perfídia do lucro" ou da "ganância e corrupção" dos empresários, acabaram-se com os acordos de gestão e associação com hospitais e escolas. Os resultados foram tão maus que até acérrimos defensores do serviço público pedem que volte a gestão privada dos hospitais. E esgotaram-se as inscrições nas escolas privadas. A mais recente palhaçada (lamento não encontro outro adjetivo) na habitação foi um vistoso fogo de vista, cujos efeitos foram aumentar o mercado de arrendamento à margem da lei e acabar com o alojamento local, reservando os negócios do turismo para os hotéis. E não falta a utilização abusiva de organismos do Estado, como usar a Inspecção Geral das Finanças para despedir a pessoa que foram buscar há menos de dois anos para gerir a TAP.
E também tem razão a esquerda, incluindo boa parte do PS, quando afirma que o PS não é verdadeiramente socialista. Porque para ser verdadeiramente socialista, ao PS só falta uma polícia política como há em Cuba ou na Coreia do Norte. Coisa que felizmente ainda não há, mas apenas e só por medo do que seria a reação de Bruxelas
No entanto, esta discussão sobre o socialismo de António Costa, o excesso ou a sua a falta, a meu ver falha o alvo. Certamente existe algum suporte ideológico às decisões do governo. O que não existe é qualquer traço de competência, raciocínio ou capacidade de aprender com os erros. António Costa não é o político mais habilidoso da sua geração, é apenas um 'habilidoso' que tem conseguido manter uma fachada. E de se rodear por pessoas cuja carreira depende serem capazes de manter essa ficção. Associar uma ideologia a António Costa e a este governo pode ter interesse no debate político, mas é desnecessário. O Partido Socialista foi o meio que um conjunto de pessoas, Sócrates e Costa primus inter pares, arranjou para ter uma vida confortável. Calhou ser o PS, poderia ter sido outro partido qualquer.
António Costa é, a meu ver, tal qual o Mestre em O Mestre e Margarita, esse enorme livro do Bulgakov. Em público, é bem apessoado e até passa por inteligente e capaz dos feitos mais extraordinários. Mas longe dos olhares públicos, um pobre diabo decrépito. E tal como no livro de Bulgakov, muitos cidadãos preferem ver a ficção porque senão teriam que se confrontar com a realidade de que foram enganados.